O papel da oposição no regime democrático
Não é aceitável e é mesmo antidemocrático impor a passividade das oposições em nome da governabilidade, até porque os limites à sua atuação são claros e constitucionalmente definidos.
A discussão em torno do que é governar e do que é fazer oposição no Parlamento tem marcado as últimas semanas. Para lá do debate político-partidário, que é normal e salutar em democracia, justifica-se ir mais além e analisar a questão no plano conceptual, tendo em conta o nosso sistema de governo, os poderes cometidos ao Governo e à Assembleia da República (AR) e o respetivo enquadramento constitucional.
Nos termos da Constituição, o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República tendo em conta os resultados eleitorais, o que significa que o Governo só se pode formar e só pode subsistir como emanação ou expressão da situação parlamentar. Isto não diminui a legitimidade de um Governo minoritário, mas obviamente condiciona a sua atuação.
Por outro lado, de acordo com o princípio da separação de poderes, a Constituição determina que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública” (artigo 182º), cometendo-lhe o poder executivo e o poder de legislar em matérias não reservadas à AR. Mas a Constituição estabelece também que o Governo responde perante o Parlamento e que o primado do poder legislativo compete à AR (artigos 161º, 162º, 164º e 165º).
A(s) oposição(ões) parlamentar(es) é(são) essencial(is) ao regime democrático, dela(s) depende a legitimidade do sistema político, porque garante(m) a fiscalização dos Governos, institucionaliza(m) a oposição e cria(m) alternativas democráticas ao poder vigente. E este último aspeto é fundamental. Os partidos da oposição — e em especial aquele(s) que tem(êm) maior representação no Parlamento em função dos seus resultados eleitorais — têm não apenas o direito mas a obrigação de se constituir como alternativa democrática. E isso implica não só reagir contra opções ou medidas adotadas pelo Governo e contra a forma como este exerce o poder executivo, mas também influenciar proativamente a governação e aprovar as propostas e soluções constantes dos seus programas eleitorais.
Mais: o que caracteriza o regime democrático é o facto de conferir poderes às oposições parlamentares para condicionarem a atuação do Governo e se constituírem como alternativa democrática dentro do sistema constitucional. Não é aceitável e é mesmo antidemocrático impor a passividade das oposições em nome da governabilidade, até porque os limites à sua atuação são claros e constitucionalmente definidos: os partidos da oposição não podem exercer a função administrativa, não podem apresentar projetos que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento e não podem dirigir, superintender ou tutelar a Administração Pública. Todos estes limites são verificáveis jurídica e judicialmente.
Neste enquadramento, qual é, afinal, o papel da oposição? É fiscalizar a atuação do Governo, é influenciar a governação, é fazer aprovar as suas propostas, cumprindo os compromissos com o respetivo eleitorado, e é apresentar-se como alternativa democrática responsável e construtiva. É verdade que em Parlamentos muito fragmentados, nos quais o Governo tem uma maioria muito escassa (como é o caso atualmente em Portugal), isto pode dificultar a governabilidade e a estabilidade do sistema. Mas é isso que resulta da vontade popular democraticamente expressa em eleições.
Fonte: Alexandra Leitão, Expresso, 10 de maio de 2024