Serviços públicos
Os direitos fundamentais e, em especial, os direitos à saúde e à educação devem ser assegurados pelo Estado, através do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da escola pública, ambos universais e gratuitos. Estas são tarefas essenciais do Estado nos termos da Constituição.
Prevendo as críticas que sempre são feitas a quem, como eu, defende a primazia do papel do Estado na prestação dos serviços públicos, antecipo desde já que defendo a liberdade de iniciativa privada e o pleno direito de constituir empresas no quadro de uma economia mista, direitos que estão, aliás, garantidos constitucionalmente. E considero que os privados podem concorrer com o sector público, assim como prestar alguns serviços públicos em regime de concessão ou similar. Contudo, discordo profundamente (e parece-me de duvidosa constitucionalidade) que o Estado opte por desinvestir nos seus serviços para criar mercado para os privados, como infelizmente já aconteceu na educação, com os contratos de associação (e tudo indica que pode vir a acontecer novamente), e subjaz também à opção de não comprar comboios para a CP para garantir concorrência de privados — inclusivamente estrangeiros.
Os direitos fundamentais e, em especial, os direitos à saúde e à educação devem ser assegurados pelo Estado, através do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da escola pública, ambos universais e gratuitos. Estas são tarefas essenciais do Estado nos termos da Constituição. Isto não põe em causa a coexistência dos sectores público e privado nestas áreas, mas afasta as políticas públicas que se traduzem num desinvestimento no SNS e na escola pública em prol da transferência desses serviços para privados, quer através da contratualização, quer através de figuras como o “cheque-consulta” ou o “cheque-ensino”.
E defendo esta posição por três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque essa opção de política pública vai necessariamente descapitalizar os serviços públicos, pondo em causa a sua capacidade para assegurar uma prestação universal e gratuita. Uma situação desigual em que o Estado financia a sua própria concorrência. Não é por acaso que no RU o Partido Trabalhista reafirmou no seu programa de Governo que o NHS será sempre detido pelo Estado e financiado pelo Estado. Essa é a matriz da social-democracia.
Em segundo lugar, privatizar traz sempre limitações de acesso aos serviços públicos, seja por causa das condições que são impostas pelos privados, seja pelas condições dos próprios utentes. No caso, por exemplo, do “cheque-ensino”, este seria uma forma de as escolas escolherem os alunos e não o inverso, dificultando o acesso de crianças e jovens mais desfavorecidos ou com necessidades especiais. E o grave é que fariam essa seleção utilizando os recursos do Estado.
Finalmente, os serviços públicos têm de ser universais e gratuitos. A sua descapitalização conduz a um Estado de “serviços mínimos” que não é um Estado social, mas sim assistencialista, destinado apenas aos mais pobres. Na saúde, por exemplo, é sabido que os doentes que requerem tratamentos mais complexos e mais dispendiosos são assistidos no SNS. Apesar de os seguros de saúde corresponderem a 40% do mercado dos seguros, representam apenas 3% a 5% da despesa total em saúde, o que significa que muitas pessoas têm seguros mas consomem cuidados que custam pouco, exatamente porque os tratamentos mais caros são realizados no SNS. Descapitalizar o SNS, acentuando a dependência dos privados, suscita uma questão inultrapassável: o que aconteceria a estes doentes se o SNS deixasse de ter condições para os tratar?