A direita, a extrema-direita e o discurso de Carlos Moedas
Em toda a Europa, a direita moderada tem vindo a assumir a agenda da extrema-direita como forma de recuperar os eleitores perdidos. Esta tendência, que potencia as ideias populistas, autoritárias, xenófobas e misóginas, é particularmente visível na imigração e na segurança.
Isso aconteceu, por exemplo, em França — com Macron a acusar a Nova Frente Popular de ser “totalmente imigracionista” —, na Finlândia — onde o Governo de coligação de direita adotou um conjunto de medidas anti-imigração impostas pela extrema-direita —, na Suécia — cujo Governo incluiu políticas de extrema-direita nas áreas da segurança, imigração e asilo — e na Dinamarca — onde até o Governo social-democrata tem adotado medidas duras contra a imigração.
Também em Portugal temos assistido a uma clara mudança do discurso do Governo no sentido de restringir a imigração, dificultar a legalização dos imigrantes no nosso país, impedindo-os, inclusivamente, de obter o número da Segurança Social, e, assim, de trabalhar legalmente e de ter direitos sociais, deixando-os ainda mais à mercê da exploração. Não se trata de controlar ou regular as entradas, trata-se de eliminar os mecanismos de legalização, condenando os imigrantes à clandestinidade.
Mas não só. O discurso populista tem vindo igualmente a ganhar terreno nas intervenções e nas políticas do Governo, a começar pelo tom securitário do primeiro-ministro a propósito dos incêndios (e, mais recentemente, o tom condescendente com que se referiu aos jornalistas). Naturalmente que os incendiários devem ser condenados, no âmbito de processos justos e no quadro da moldura penal para estes crimes, que foi agravada em 2017, mas a intervenção do PM foi simultaneamente uma forma de escamotear as responsabilidades do Governo pelas falhas no combate aos incêndios e de intensificar uma agenda securitária.
O mais grave, no entanto, é a ligação entre imigração e segurança que muitos políticos de direita e extrema-direita têm feito. Estabelecer uma relação de causalidade entre estes temas é falso, perigoso e promotor de conflitos sociais. No “Global Peace Index” de 2023 Portugal foi considerado o 7º país mais pacífico do mundo e, apesar do aumento da imigração, verifica-se que apenas 15% dos reclusos são estrangeiros e que a proporção destes face ao total da população prisional diminuiu 3,8% na última década. Mais: os municípios com maior percentagem de imigrantes têm menos criminalidade, sendo que o que tem aumentado, bem pelo contrário, são os crimes contra imigrantes.
Tão grave como o crescimento da extrema-direita é o facto de a direita (dita) moderada assumir as suas bandeiras. O discurso de Carlos Moedas na comemoração da implantação da República é um exemplo desta apropriação de premissas falsas, alarmistas, xenófobas e geradoras de ódio. Um discurso lamentável, perigoso e irresponsável. O discurso de um político que põe a sua ambição em primeiro lugar e procura a todo o custo ganhar os votos da extrema-direita. Melhor assim, caiu a máscara. Os lisboetas merecem mais e melhor.