A liberdade e a igualdade são direitos de todos
A derrota da extrema-direita não passa pela adoção do seu discurso autoritário, securitário, preconceituoso e intimidatório, mesmo que a curto prazo isso até pareça render votos
No rescaldo das eleições americanas repetiu-se em centenas de artigos e outros tantos debates e comentários a ideia de que os democratas foram responsáveis pela vitória de Trump porque exageraram no discurso identitário e esqueceram os direitos sociais e a economia. Não creio que seja esta a explicação principal, embora os democratas tenham, de facto, cometido erros, entre os quais a saída tardia de Biden e a subvalorização das questões económicas. Mas não desenvolverei agora o assunto.
Abordarei, sim, o tema que as eleições americanas trouxeram para a ribalta e que será essencial na vida política nos próximos tempos: a defesa de uma agenda identitária em torno dos direitos das mulheres (que não são uma minoria) e de grupos minoritários definidos em função da raça, etnia, orientação sexual ou identidade de género tem contribuído para a perda de eleitorado pelas forças políticas do centro-esquerda e da esquerda?
Julgo que isso não é uma inevitabilidade, desde que se priorize também a agenda genética da social-democracia, ou seja, os direitos sociais — saúde, educação, habitação, proteção social, cultura —, os direitos dos trabalhadores, os valores da justiça social e os serviços públicos universais e gratuitos. Em suma, o Estado social.
Mas a promoção destes direitos como tarefa fundamental do Estado não se opõe nem substitui a defesa dos direitos das mulheres e das minorias. Estas agendas não se excluem entre si. Pelo contrário, a liberdade (de viver, de trabalhar, de votar, de se expressar, de se associar e reunir, de amar, de constituir a família que pretenda) e a igualdade (os cidadãos terem a mesma dignidade social e serem iguais perante a lei, como determina o artigo 13º da Constituição) são direitos de todos e a todos devem ser assegurados.
Defender a liberdade de uma mulher interromper uma gravidez indesejada ou de pessoas com diversas orientações sexuais constituírem família não exclui a defesa dos direitos dos trabalhadores, homens ou mulheres, nem a luta intransigente pela segurança e pela dignidade laborais e pela proteção social.
É verdade que a agenda identitária — pejorativamente designada como woke pela direita e pela extrema-direita — tende por vezes a tribalizar a sociedade e a separar em vez de unir. Mas é exatamente isso que as forças políticas progressistas devem evitar, compatibilizando esse discurso com o seu património histórico de defesa do Estado social, de combate à pobreza, de proteção do trabalho, dos direitos sociais, da segurança e do rigor na gestão pública. Porque todos nós, enquanto indivíduos, somos simultaneamente parte de vários grupos, e é essa a visão integral que os responsáveis pelo desenho das políticas públicas devem privilegiar.
A derrota da extrema-direita não passa pela adoção do seu discurso autoritário, securitário, preconceituoso e intimidatório, mesmo que a curto prazo isso até pareça render votos, como sempre acontece quando se cede ao populismo. Passa, pelo contrário, pela reafirmação do discurso progressista, tolerante, inclusivo, justo e solidário.
O modelo social europeu assenta na defesa da liberdade, da igualdade e do bem-estar para todos e no combate à pobreza e à exclusão social, sejam quais forem as suas causas. Por isso a agenda da igualdade — social, económica, de género ou identitária — é só uma.