25 de novembro: oportunismo e oportunidade
Todos quantos nos incomodamos com estas comemorações do 25 de novembro faríamos bem em recordar como podemos fazer das nossas fraquezas forças.
Uma data para ser comemorada não precisa de uma sessão solene na Assembleia da República. A implantação da República, a restauração da independência e até o Dia de Portugal não o têm. Outras ocasiões têm-no justificado, como as boas-vindas a um Chefe de Estado ou aniversários simbólicos de acontecimentos relevantes, nomeadamente a comemoração dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, o bicentenário da aprovação da constituição de 1822 e, brevemente, o centenário do nascimento de Mário Soares. A centralidade de uma sessão solene anual, porém, foi, até agora, reservada apenas para o 25 de Abril, data fundadora da nossa democracia. Não haja, por isso, dúvidas da intenção em promover sessões com esta figura e regularidade: equiparar o 25 de novembro ao dia inicial, inteiro e limpo.
Esta podia ser uma luta antiga da direita em Portugal. Não é. No ano 2000, o CDS propôs uma comemoração pelo Governo do 25.º aniversário do 25 de novembro. Em 2005 no seu 30.º aniversário, foi apresentada pela primeira vez uma proposta de sessão solene anual no Parlamento. Em nenhuma das duas ocasiões, foram estas propostas agendadas para discussão e votação. 10 anos depois, apenas dias após a assinatura dos acordos da Geringonça e a rejeição do segundo governo de Passos Coelho, voltou-se a discutir uma sessão solene dedicada, ainda assim, única e exclusivamente para comemorar o seu 40.º aniversário. É em 2019 que surge, novamente pela mão do CDS, proposta de sessão solene anual do 25 de novembro. A ideia volta a adormecer até esta legislatura, quando é finalmente aprovada.
O número de vezes que esta ideia foi discutida e o tempo que distam entre si é reveladora. A direita lembra-se do 25 de novembro quando lhes convém. Perante o primeiro governo constitucional suportado pela esquerda radical, tornou-se especialmente oportuno usar novembro para tentar caracterizar essa esquerda como contrária à democracia. Como disse Carlos César na altura, é “transformar o Parlamento num palco de jogatana política”.
O oportunismo destas comemorações é tanto maior quanto melhor recordarmos o que foram esses anos de revolução. É inegável a importância do 25 de novembro para a consolidação de uma democracia parlamentar pluripartidária em Portugal. Mas não foi só o 25 de novembro que ditou o rumo do nosso sistema político. O processo revolucionário conseguiu superar enormes dificuldades económicas e sociais. Venceu sucessivas tentativas de o desviar e usurpar, designadamente a 28 de setembro, 11 de março e 25 de novembro. Soma-se a isto os cercos ao Palácio de Cristal e a São Bento, as bombas do ELP, os assaltos a sedes partidárias, o caso República, entre tantos outros incidentes. Se quisermos assinalar a resiliência do projeto democrático, devemos evocá-la por inteiro e não apenas escolhendo as datas mais convenientes. Nesta espécie de batalha pela memória histórica, está em boa hora da esquerda equilibrar o campo e contra-atacar.
Devemos começar já pela oportunidade que estas encenação nos dá para fazer justiça àquilo que pretende comemorar. Como Vasco Lourenço e outros têm dito à exaustão, o 25 de novembro foi a derrota tanto da extrema-esquerda, que queria tomar o poder, como da extrema-direita, que a queria liquidar. É preciso contrapor Jaime Neves, que “queria mais” e que teve de ser travado por Eanes e Lourenço, com Melo Antunes, que no rescaldo das operações afirmou que o PCP era indispensável à democracia. Deve-se recordar a autoridade e diplomacia de Costa Gomes, que comprometeu Cunhal com o fim da revolta, e a organização das forças democráticas, com o Grupo dos Nove no campo militar e, no campo político, com uma indiscutível liderança de Mário Soares, cujo comício na Fonte Luminosa tanto fez brotar.
Todos quantos nos incomodamos com estas comemorações do 25 de novembro faríamos bem em recordar como podemos fazer das nossas fraquezas forças. Foi assim com a palavra “geringonça”, pejorativamente usada por Paulo Portas, e que hoje significa para tantos portugueses a esperança num futuro de convergência, com direitos e prosperidade. Consumado que está o oportunismo da direita, façamos da memória de novembro uma exaltação de um Abril resiliente e onde todos encontrem lugar.
PS: Comecemos também por não esquecer que nesse dia também se assinalou o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Há muito a fazer por isso, desde a violência doméstica, que já matou 25 mulheres este ano, até à violência sexual, que segundo o INE já vitimou 6,4% das mulheres em Portugal. Fica a promessa de tratar o assunto em breve num artigo completo, como a seriedade do tema merece.