A idade da responsabilidade
Estamos a viver tempos de mudança, de consequências imprevisíveis, mas com a evidência crescente de que a democracia não está garantida e as conquistas históricas não são irreversíveis.
Escrevo este artigo num momento em que coincidem duas celebrações: os 49 anos do 25 de Abril e os 50 anos do PS. Momentos que marcaram a transição para a democracia e a liberdade, palavras que, no tempo que vivemos, temos necessariamente de conjugar com uma terceira, responsabilidade.
Muitos daqueles que ainda têm memória da sociedade antes do 25 de Abril e que o viveram com expetativa, têm manifestado a sua insatisfação como se a nossa democracia sofresse de algum defeito sério. Já as novas gerações deram um salto quântico para um mundo inteiramente novo, sem o estado de entorpecimento social da época salazarista que condicionou a nossa autoestima e nos fez demorar a tomar consciência do nosso potencial enquanto país.
Hoje as nossas perspetivas de vida vão muito além do jardim à beira-mar plantado. Mas a desconfiança para com os governantes parece ser comum a todos e reflete-se não apenas nos níveis de abstenção nos atos eleitorais, mas no constante desagrado com a atuação dos governos, quaisquer que eles sejam. E isso tem alimentado aqueles que, à sombra da democracia e aparentando até atuar no quadro das suas instituições, ambicionam outro tipo de regime político e transformam a liberdade de expressão numa paródia que avilta outros direitos humanos fundamentais numa sociedade digna.
Estamos a viver tempos de mudança, de consequências imprevisíveis, mas com a evidência crescente de que a democracia não está garantida e as conquistas históricas não são irreversíveis. Como sintetiza Carlos Jalali (partidos e sistemas partidários), nas democracias representativas, os eleitores delegam o poder de governar em representantes políticos, não com uma carta branca, mas com o pressuposto de que as políticas públicas escolhidas pelos governantes vão refletir as preferências dos eleitores.
Se esta responsividade democrática falha, gerando a perceção de elites partidárias desconectadas do cidadão comum, o populismo aproveita. Este discurso fácil da suposta oposição do povo honesto contra uma elite corrupta, e da necessidade de substituir as elites do costume para que o sistema político possa representar o povo que tem sido explorado pela classe dominante, tem estado a enraizar-se na nossa sociedade e isso deve preocupar-nos, pois é a própria conceção da democracia que fica em causa.
Por isso a pergunta que se impõe é qual o caminho que estamos a seguir? Estaremos a ser capazes de sedimentar os valores e a construir instituições democráticas operativas num contexto exigente e em mutação acelerada?
O nosso principal desafio parece continuar a ser desenvolver capital social, aquele que liga as instituições e os indivíduos na sua vida pública e privada. Não é a aparência de espaço público criado pela televisão e pelas redes sociais. Mas a vida comunitária, o sentir do coletivo, um propósito comum. Este sempre foi um desafio difícil, pois, como diz José Gil (“Portugal, o medo de existir”), não sabemos conversar nem debater, parecemos andar num perpétuo movimento saltitante entre assuntos e sem nenhuma capacidade de ouvir, porque o que se procura é precisamente a discordância, o ato de falar sem mensagens, apenas importa o ruído. E por isso “pensamos tão pouco e, de forma rotineira, geral e superficial.”
Importa evitar a todo o custo que continuemos a minar os alicerces da nossa sociedade. É fundamental sair da idade da inocência, crente na democracia como o fim irreversível da história, e passar à idade da responsabilidade, conscientes de que a democracia só se preserva reinventando-se todos os dias.
Os partidos políticos têm o dever de refletir sobre este propósito que deveria uni-los e, com responsabilidade, desenvolver um espaço público positivo para que os cidadãos possam exercer um voto informado e consciente, incluindo explorar o mundo de possibilidades para a participação democrática fora da esfera partidária, que contribuem para uma democracia de qualidade.
Com os seus 50 anos de prática democrática, o Partido Socialista sempre assumiu a visão progressista de uma sociedade servida por um Estado Social próximo, responsável e para todas as pessoas, numa sociedade e numa economia em permanente mudança, com desafios prementes como a demografia, as desigualdades, a transição verde e digital. E continuará a ser um partido que contribui para uma democracia madura, sem fazer eco de palavras como caos, vergonha ou outras narrativas que podem servir muitos propósitos, mas não servem seguramente a seriedade de um debate construtivo e o interesse público.
É desta postura construtiva e positiva que o país precisa. Precisamos de mais adultos na sala, que lutem pela credibilização das instituições. Porque senão arriscamo-nos a que a qualidade das pessoas na prática política seja inversamente proporcional à intensidade do fogo debaixo do qual têm de exercer as suas funções. É essa a democracia que queremos?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico