A Política de “Rodapés”
A política noticiosa tem horror ao vazio. A aceleração do tempo noticioso, com vários canais televisivos e redes sociais, retira pausa e reflexão sobre as opções políticas em presença e vive numa angústia contínua à espera da próxima novidade. O tempo da política parece querer adaptar-se a essa “velocidade”, mas revela dificuldades em dar uma resposta adequada. O tempo das políticas não tem, não pode ter, 24 horas. O tempo de algumas notícias nem 24 horas tem.
Quando nos deixamos submergir pela política dos “rodapés” noticiosos, perdemos o foco no essencial, na continuidade das medidas, na retificação do que está mal para melhorar, e no amadurecimento das opções políticas. Algumas que tardam meses de trabalho e produzem resultados bastante mais tarde.
Dou apenas dois exemplos. Esta semana entraram em vigor novas limitações às comissões bancárias. Algumas das quais absolutamente injustificáveis. O Grupo Parlamentar do PS fez uma proposta – tal como o PAN – e depois do trabalho na especialidade, com audições e trabalho interpartidário, e da sua votação final global, entraram em vigor no início deste mês de junho. Também esta semana o Grupo Parlamentar do PS apresentou um Projeto Lei para tornar definitivas, depois dos anos de “corte” da troika e dos projetos pilotos desenvolvidos desde 2018, as comparticipações dos tratamentos termais com prescrição médica. Uma medida justa, com impacto em todo o país, em particular nas regiões onde o termalismo tem especial importância como atividade económica. Do Gerês a Pedras Salgadas, ou das Caldas da Rainha a São Pedro do Sul. Neste caso há que continuar a trabalhar, também com o Governo, para que o processo termine com um bom texto legislativo.
Destas medidas não há “rodapé” ou exaltação, mas o impacto na vida concreta das pessoas é indubitável.
Esta dissociação entre tempo da política e do pequeno “rodapé” noticioso é um evidente perigo para a qualidade da democracia. Ou mesmo para a salvaguarda da democracia. Quem grita mais alto faz-se ouvir. Pede demissões, radicaliza o espaço mediático, hipervaloriza a dúvida, pede esclarecimentos do (já) esclarecido e demanda ao Governo, ao Parlamento, e até à oposição, as respostas que só o tempo de “fazer”, e não apenas de “dizer”, pode permitir. É meio caminho andado para a frustração e para a degradação das instituições, tão na moda ultimamente no espaço mediático.
Se nos detivermos mais uma vez na última semana, assalta-nos outra vez esta dissociação. O Governo recolhe em parte, ou parte, dos resultados nas suas políticas. Há crescimento económico, menos desemprego, mais exportações e a inflação quebra de forma pronunciada. Uma semana onde podíamos – e devíamos – ter confrontado a oposição com todos os seus falhanços: nas previsões de crescimento económico, do défice, da dívida, do emprego, etc. De como a alternativa às políticas do Governo PS não existe e mesmo quando foi esboçada se revelou ineficaz; mas perdemos tempo a olhar para aqueles que continuam a gritar demissões, a pedir esclarecimentos e a medir “fitas” do tempo ao minuto, na expectativa de um julgamento moral definitivo dos titulares de cargos políticos.
As últimas sondagens têm sido reveladoras de como os portugueses, tendo votado há pouco mais de um ano, esperam que o Programa em que votaram seja avaliado no momento certo, em 2026. E que a direita moderada deve fazer mais para ser alternativa. Senão só sobrarão os que gritam. E esses não são alternativa. Nem parte da alternativa devem ser.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Eurico Brilhante Dias, Jornal Diário de Notícias, 05 de junho de 2023