Direito de autor no mercado único digital
Pela proposta de lei aprovada, as plataformas digitais que interfiram ou lucrem com os conteúdos nelas partilhados passam a ser responsáveis pela gestão dos conteúdos carregados por utilizadores.
No dia 26, foi aprovada na Assembleia da República a proposta de lei de autorização legislativa n.º 52/XV, relativa à transposição da Diretiva do Direito de Autor e Direitos Conexos no mercado único digital.
As transformações tecnológicas e as alterações no consumo colocam desafios e obstáculos aos direitos de autor no ambiente digital que há muito exigem uma resposta.
A natureza transnacional do mercado digital impõe a definição de um quadro jurídico sólido e harmonizado ao nível da UE, que proteja os direitos de quem produz bem culturais e simultaneamente assegure as condições de bom funcionamento do mercado.
A segurança jurídica é condição capital do bom funcionamento do mercado digital, da sua sustentabilidade e expansão, gerando as condições necessárias à gestação de um ecossistema mais vigoroso, criativo e diverso de circulação de bens culturais.
A proposta de lei aprovada segue de perto a diretiva europeia que esteve na sua génese, procurando, ao longo de um articulado vasto, gerir equilíbrios complexos, de modo racional e flexível.
Um dos pontos centrais da proposta de lei é a regulação da utilização de conteúdos protegidos pelas grandes plataformas de Internet. As plataformas digitais que interfiram ou lucrem com os conteúdos nelas partilhados perdem o seu estatuto de neutralidade e passam a ser responsáveis pela gestão dos conteúdos carregados por utilizadores. Põe-se, assim, fim à imoral inversão da cadeia de valor entre quem cria, produz e investe em bens culturais e não usufrui da devida retribuição do seu trabalho, e aqueles que, abusivamente, distribuem e disponibilizam em ambiente digital os bens de outros.
Estas condições de mercado passam a ser idênticas para todas as plataformas digitais que distribuem conteúdos, independentemente da forma como o fazem.
Outro ponto fulcral da proposta de lei é a criação de um direito conexo em favor dos editores de imprensa sobre a utilização em linha das suas publicações periódicas, passando a ser crime de usurpação o seu uso sem autorização prévia. Pôr fim à utilização abusiva e indiscriminada de conteúdos, lesiva de direitos de editores e dos autores que integram as publicações, é vital para a existência de uma imprensa digital economicamente sustentável e independente.
A proposta de lei consagra, em artigos próprios, a retribuição justa, proporcionada e equitativa do valor económico gerado pela exploração de conteúdos entre todos os intervenientes do processo criativo e produtivo, sejam eles autores ou editores, artistas ou produtores, jornalistas ou empresas de comunicação social.
Mas não basta proteger direitos, é preciso assegurar o equilíbrio complexo entre diferentes direitos, como o direito à informação, à liberdade de expressão, à proteção de dados pessoais, ao acesso à cultura (para fins pedagógicos ou científicos), mas também o direito de os utilizadores gerarem e carregarem conteúdos livremente para fins de citação, crítica, análise ou paródia. E estas são ponderações que a proposta de lei contempla e garante.
A proteção dos criadores e das indústrias que os sustentam são desígnios e valores essenciais que devem nortear todos os quadrantes democráticos.
A relevância da proposta de lei na vida de artistas, autores, produtores, editores, ou entidades de gestão de direitos é imensa, com impacto nas relações contratuais, retribuições financeiras, gestão de direitos coletivos, etc. Por isso, várias vozes se ergueram em sua defesa nas últimas semanas, pedindo a aprovação de uma regulação urgente e há muito esperada.
O Governo irá abrir um processo de consulta pública que seguramente trará, ainda, novos contributos para o aperfeiçoamento das já acertadas opções legislativas. As potencialidades que abre na dinamização do mercado, na afirmação da cultura nacional, na competitividade das nossas indústrias culturais e de media, incentivando o investimento e a inovação, merecem uma participação viva no seu fecho e um acompanhamento atento no seu desenvolvimento.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Rosário Gambôa, Jornal Público, 07 de fevereiro de 2023