Autarquias locais, orçamento e novos desafios
As autarquias locais sempre foram agentes de transformação dos territórios e impulsionadoras de mudanças e de reformas porque a prossecução do bem-estar coletivo e a vontade de ousar fazer mais e melhor faz parte do seu ADN. Estas sempre aspiraram a ter mais competências e intervenção em áreas nevrálgicas como a educação, habitação, intervenção social ou saúde, precisamente por poderem responder de forma mais eficaz e próxima, sendo determinantes para a qualidade de vida das pessoas.
A Reforma de Descentralização em curso aspira a esse desígnio manifestado pelo poder local, porque é essencial assegurar a transformação do modelo de funcionamento do Estado começando pelas estruturas que constituem a sua base, isto é, as autarquias locais. Assume-se que o poder local e o Estado devem constituir-se como um todo e que se devem articular de forma coesa e complementar, visando uma melhor e mais eficaz resposta na defesa dos interesses e direitos dos cidadãos.
Com as medidas orçamentais do Partido Socialista dos últimos anos fica a marca da recuperação e do crescimento da capacidade financeira dos municípios e das freguesias. Neste período, o valor das transferências para as autarquias locais e entidades intermunicipais cresceu 30,13%, face aos valores de 2014. Neste Orçamento cumpre-se integralmente a Lei das Finanças Locais e nele está previsto um Fundo de Financiamento para a Descentralização que aloca os recursos necessários para o cumprimento das competências transferidas, ascendendo a mil milhões de euros na referência a um ano orçamental completo. Esse Fundo está dotado de um oportuno mecanismo de flexibilidade e ajustamento, que permite a atualização dos seus valores, se necessário.
A autonomia local não é só dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente. É também dispor de património e de finanças próprias.
Enquanto agregador das preocupações manifestadas pelos autarcas, o Grupo Parlamentar do PS propôs e aprovou, em sede de especialidade, aumentar 10 milhões de euros às verbas para o Fundo de Financiamento da Descentralização, relativas ao setor da Educação, e assegurar o recrutamento de trabalhadores para as competências descentralizadas, mesmo nos municípios em situação de fragilidade financeira. Garante-se ainda, nestas propostas, o reforço da transparência no âmbito da informação sobre a participação das autarquias nos impostos do Estado.
Além disso, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência muito dependerá da capacidade financeira dos municípios. Assim, e ainda tendo em conta o contexto pandémico que passámos, procurou-se garantir a sua liquidez através de várias medidas e propostas como o aumento da margem de endividamento, a possibilidade de antecipação de fundos disponíveis, com a suspensão do equilíbrio anual entre receitas e despesas, ou as exceções de contabilização dos empréstimos para a reabilitação urbana e para a habitação.
A autonomia local não é só dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente. É também dispor de património e de finanças próprias, é gerir um quadro de pessoal próprio, é deter poder regulamentar próprio e é poder exercer as suas atribuições e competências de forma adequada à satisfação dos interesses próprios das populações. Cumprindo a Constituição da República, mas também cumprindo a Carta Europeia da Autonomia Local, a que o estado português se encontra vinculado.
Afinal queremos ou não mudar o paradigma de Estado centralista que compromete o desenvolvimento equilibrado dos territórios e que cristaliza desigualdades para um Estado Descentralizado, que será capaz de gerar mais progresso e participação cidadã?
O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico
Fonte: Pedro Cegonho e Susana Amador, Jornal Diário de Notícias, 30 de maio de 2022