Bancada Parlamentar. Vindos do ‘Chão’
Quando Paulina Chiziane (Prémio Camões, 2021) nos disse com ternura e reconhecimento que tinha vindo do chão, das raízes profundas de África, essa mulher africana e negra falava-nos de justiça. Justiça social. Uma dimensão dessa justiça é a existência; a ideia de que a voz — e o voto — são parte do todo. Que somos ouvidos, tidos em conta, e que a nossa vida não é menor, menos importante, ou mesmo irrelevante. A comunidade de que fazemos parte deve respeitar as opções individuais e o espaço público democrático deve ser o reflexo do conjunto da sociedade.
A Paulina Chiziane falou com autenticidade, do fundo do coração, como se o dia em que recebeu o Prémio Camões das mãos do Primeiro-Ministro português fosse uma estação onde tinha chegado, carregando todo um país — o seu Moçambique –, com a suas línguas e a sua realidade ignorada, ausente da decisão na polis, da política.
Serve esta homenagem à Paulina Chiziane para que nos agarremos ao ‘chão’. Ao dia a dia de cada cidadão, de cada homem e de cada mulher, como se a política nas suas opções fundamentais, tivesse de regressar ao mais essencial — à essência –, o serviço público, e em particular aos menos ouvidos, mas que inegavelmente têm o direito a pertencer e a participar nas escolhas coletivas.
Portugal tem vivido num sobressalto político mediático, no quadro de uma vontade eleitoral expressa, que disse, de forma clara, que queria um Governo PS, liderado por António Costa, com um programa executado até 2026. Também disse o que não queria: um Governo do PPD/PSD, recusando que a estabilidade política ficasse durante quatro anos na mão da esquerda à esquerda do PS.
Esse Governo, e a maioria parlamentar, enfrentam hoje com bons resultados um quadro de guerra com impactos inflacionistas. A inflação tem vindo a baixar de forma consecutiva desde o último trimestre de 2022, o crescimento económico surpreende, o PRR avança, as exportações batem recordes, o emprego atinge máximos e o apoio aos mais vulneráveis vai chegando, com medidas de mitigação que respeitam o compromisso eleitoral das contas certas.
O país avança nos salários, com os acordos entre sindicatos e patrões, bem como entre o Governo e a função pública. As pensões registarão aumentos superiores à inflação até ao fim de 2024. O vencimento médio bruto declarado à Segurança Social, face ao período homólogo, apresenta um aumento de 8%. E o investimento aumenta o seu peso no PIB, de onde se destaca o Investimento Direto Estrangeiro.
Está tudo feito? Claro que não. Há mais a fazer na defesa da Escola Pública e do SNS. Há mais investimento a fazer nas funções de soberania, em particular na Justiça, na Administração Interna e na Defesa. A valorização das carreiras da função pública é um trabalho em curso, mas ainda inacabado. Há um Programa de Governo que deve ser cumprido até 2026.
Para aqueles que vêm do “chão”, e que fitam o horizonte, a certeza da continuidade de políticas públicas é a melhor garantia de progresso e justiça social. Os que se “levantam do chão” nunca esquecem, como a Paulina, de onde vêm e para onde vão. Sabem que a sua voz na polis tem uma crónica sub-representação e que só o Parlamento, na sua expressão democrática, lhes pode valer. É no Parlamento que está a sua “voz”. Porque sabemos bem que a vitória do PS em janeiro de 2022 veio do ‘chão’, da vontade popular.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Eurico Brilhante Dias, Jornal Diário de Notícias, 08 de maio de 2023