Crescimento inclusivo e contas certas, caminho de credibilidade
Por mais importantes que sejam os instrumentos financeiros, nomeadamente europeus, de suporte às políticas públicas, eles não valem por si mesmos. O verdadeiro desafio do país para os próximos anos transcende, por isso, a execução do PRR ou dos fundos estruturais 2021-2027 e reside na capacidade de, com o seu contributo, ter uma estratégia e um programa para acelerar a recuperação e criar um horizonte de progresso duradouro.
Este objetivo exige que nos centremos na visão que temos para a sociedade portuguesa. Tal enunciado é sempre verdadeiro, mas é-o ainda mais no momento atual: quando estava a recuperar da crise da primeira metade da década anterior, a pandemia e agora a invasão da Ucrânia foram dois choques de grande magnitude que criaram condições de particular dificuldade e incerteza para a definição de uma estratégia de política pública de médio e longo prazo, sobretudo se não estivermos disponíveis para abdicar de uma perspetiva integrada e equilibrada de desenvolvimento económico e social.
É neste quadro que o Programa de Estabilidade (PE) 2021-2025, discutido amanhã no Parlamento, é um documento da maior importância, em articulação com os meios disponíveis no PRR e nos fundos estruturais, com exercícios orçamentais consistentes, a começar pelo Orçamento do Estado (OE) 2022, e com escolhas de política pública que, aliás, os próprios instrumentos europeus exigem. Ora, o PE 2021-2025 identifica com clareza o seu principal objetivo: crescimento económico inclusivo, com maior coesão social e com uma trajetória sustentável das contas públicas.
Nesta formulação concentra-se a base de um horizonte de confiança com três vetores.
Desde logo, a retoma do crescimento económico em convergência com a União Europeia (UE), realidade até à pandemia, que impôs um recuo significativo do PIB – ainda que menor do que o de outros países em que o turismo tem peso significativo, fruto da estratégia bem-sucedida de apoio às empresas e ao emprego. A aceleração do crescimento para 4,9% em 2022 aponta já para a reposição do PIB nos níveis pré-pandemia e para a retoma da convergência europeia, em linha com outras projeções.
Estas previsões abrem horizontes para os anos seguintes, ancorados em medidas de relançamento da economia, desde logo as previstas no PRR, com investimento público em diferentes áreas – das infraestruturas e do apoio às empresas até às áreas sociais e das qualificações. Mas o PRR é complementado com prioridades definidas para os próximos anos, incluindo, por exemplo, as medidas de reforço dos rendimentos e da coesão contidas já na proposta de OE para 2022 – o aumento das pensões, a garantia para a infância, a gratuitidade progressiva das creches, o IRS Jovem, o desagravamento do IRS para as classes médias.
Mas este caminho de crescimento e melhoria das condições sociais não será sustentável se não for assegurada a solidez das finanças públicas, decisiva para a resiliência da economia e da coesão social.
É essencial uma política de rigor nas contas públicas, à semelhança do que sucedeu nos últimos anos, porque esta não apenas induz ganhos na evolução da dívida pública e na redução dos custos de financiamento como é indispensável para a credibilidade do país e para a confiança dos diferentes agentes.
Crescimento económico, mais coesão social e finanças públicas saudáveis não são, pois, objetivos nem inconciliáveis nem contraditórios, mas antes dimensões necessárias de uma visão integrada e equilibrada do desenvolvimento do país.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Miguel Cabrita, Diário de Notícias, 19 de abril de 2022