Inquérito ao Novo Banco… e um relatório apócrifo
Estamos hoje habilitados a perceber melhor o que se passou no Novo Banco. Foi pelo menos com esse objetivo que apresentei a versão preliminar do relatório, consequência dos trabalhos da Comissão de Inquérito Parlamentar. Ao longo de mais de 300 páginas, fiz a descrição objetiva dos factos apurados. E não houve dúvidas. O relato dos factos teve a aprovação da Comissão. Impunha-se a seguir retirar daqueles factos — daqueles e não de quaisquer outros — as necessárias conclusões.
Entreguei-me a esse exercício, formulei cerca de 200 conclusões, todas elaboradas com objetividade, rigor, igualdade de tratamento de situações análogas e respeito pela verdade. Com base nos factos apurados — e apenas nesses — procurei respostas para as questões que todos queremos ver esclarecidas no Novo Banco. E são várias: a sua constituição, a venda à Lone Star, a gestão e ainda a atuação dos Governos, do Banco de Portugal e do Fundo de Resolução enquanto decisores públicos e a ação dos órgãos de administração, de fiscalização e de auditoria do Novo Banco.
A opção foi a de ganhar em transparência, mesmo perdendo a consensualidade, factualidade, rigor, objetividade e coerência. Foi uma opção de risco. Mas que assumi com a confiança e a segurança que a consciência sobre a forma isenta como o trabalho foi efetuado me conferia. E foi essa transparência que me permitiu enquanto relator acolher cerca de 100 propostas de alteração às conclusões, apresentadas por diferentes partidos e que mereceram o meu voto favorável.
Chegados aqui: afinal, onde está a divergência? A divergência está no momento que as agendas partidárias emergem. Muitas das propostas de alteração apresentadas pelos diferentes partidos abandonaram quaisquer preocupações sobre a sua fundamentação nos factos apurados no inquérito. Preferiram valorar depoimentos em detrimentos de outros, só porque estes eram favoráveis à sua narrativa. São propostas que se contradizem e que evidenciam um notório desequilíbrio no tratamento de situações análogas. São propostas que não têm qualquer fundamentação fáctica.
Estas propostas vieram a merecer um acolhimento maioritário na Comissão, fruto de uma conjugação de vontades e agendas, mais táticas do que fácticas, que não contesto na sua legitimidade, mas em que não me revejo. Ficou claro que as críticas a um pretenso enviesamento do relatório nas suas conclusões não eram mais do que o preparar do terreno para — aí sim — construir uma narrativa enviesada, sem sustento nos factos aprovados, mas coincidente com narrativas discursivas a respeito do tema, já existentes em momentos pré-constituição da Comissão de Inquérito. Ou já não nos recordamos da posição do BE e da direita liderada pelo PSD a respeito do Novo Banco? Mas não é essa também uma visão pessoal e subjetiva? Subjetiva é. Mas faço o convite para lerem os factos e as conclusões, compararem a versão preliminar com a versão aprovada e fazerem o vosso juízo.
Fonte: Fernando Anastácio, Expresso, 13 de agosto de 2021