Moedas (para os) radicais
Carlos Moedas deu um passo em falso. Não gosta de ser presidente da câmara. A celebração do 25 de novembro é apenas uma ideia errada, fora de tempo, que teve a imediata adesão da extrema-direita.
A força política civil, liderada por Mário Soares, que se colocou ao lado do “Grupo dos 9” – Melo Antunes, Vasco Lourenço, Sousa e Castro, entre outros – em novembro de 1975 foi o PS. O PS não tinha apenas a legitimidade do combate contra o fascismo, mas tinha também em novembro de 1975 a força de uma vitória eleitoral clara, para a Assembleia Constituinte, com mais de 2,1 milhões de votos.
Soares sabia bem, ainda antes do 25 de abril, que era necessário organizar uma alternativa democrática, de esquerda, associada uma corrente social-democrata, que permitisse sinalizar que em tempos de Guerra Fria era possível ter uma solução não comunista, de tipo ocidental, num momento em que o PCP era verdadeiramente “o partido” antifascista. O PS nasce em 1973 na Alemanha, apesar dos riscos de aumento da repressão do regime, precisamente para dar esse sinal. Quando a 28 de abril chegou a Santa Apolónia, Soares já tinha o seu instrumento de construção de uma democracia liberal: o Partido Socialista.
Para o PS, o 25 de novembro é uma data importante do processo de democratização então em curso, salvaguardou a legitimidade do voto constituinte, preservou o próprio PCP como participante essencial da democracia portuguesa, e abriu espaço para uma Constituição Democrática em 1976. Como disse ainda há dias o nosso camarada Manuel Alegre, se há partido para o qual o 25 de novembro de 1975 é um momento importante para um projeto político democrático e europeísta, é o PS. O Grupo Parlamentar do PS não deixará de assinalar o 25 de novembro. Como uma data de uma jornada que, para nós, começou muito antes na luta por um país livre e democrático, e que tem no 25 de abril de 1974 uma data única, fundadora e libertadora.
Não é por acaso, só como ilustração, que ao Grupo dos 9 se juntou, entre outros, Salgueiro Maia. O herói que encarna a coragem nos momentos mais decisivos daquela madrugada libertadora esteve entre aqueles que firmaram o “Documento dos 9”, tal como o fizeram Ramalho Eanes ou Jaime Neves. Não há 25 de novembro, eleições livres e democráticas para a Constituinte, a libertação dos povos das então colónias sem o 25 de abril de 1974.
A apropriação que uma certa direita quer fazer do 25 de novembro, na procura da polarização, é apenas uma forma de reescrever a história, quando em bom rigor nunca encontrou espaço celebrar a liberdade de abril; quando na verdade, como acontece com a extrema-direita antissistema democrático, não consegue, nunca conseguiu, evocar o 25 de abril como o momento de rutura com um sistema corrupto, de partido único, com prisões políticas e tribunais plenários, com uma polícia política que torturava os adversários do regime, que atirou uma geração para uma guerra fora de tempo, que fez milhares de mortos e de feridos. Um país onde grassava o analfabetismo, o abandono escolar, o trabalho infantil, bem como os salários de miséria, onde os direitos dos trabalhadores escasseavam.
Há uma direita que usa o 25 de novembro para afrontar o 25 de abril, encontrando sempre espaço para justificar o “24 de abril”. Melo Antunes, Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Salgueiro Maia, entre outros, bem como o PS – que liderou a frente civil em 1975 –, não o merecem.
Carlos Moedas deu um passo em falso. Não gosta de ser presidente da câmara. Lisboa nunca esteve tão mal, mesmo nas coisas mais básicas como a limpeza do espaço público, acumula os problemas do passado, inaugura as obras lançadas e desenhadas no passado por Fernando Medina, e para o futuro nada sai da sua iniciativa, gerindo apenas os interesses instalados, como foi bem patente na questão da habitação.
O lançamento da celebração do 25 de novembro é apenas uma ideia errada, fora de tempo (48 anos depois?), num contexto prévio às celebrações dos 50 anos do 25 de abril, e que teve, como seria de esperar, a imediata adesão da extrema-direita. Não basta falar de moderação. É preciso praticá-la. Foi um presente aos adversários – que ainda os há – do 25 de abril.
O PS irá celebrar abril. A data fundadora. E não deixará passar novembro, como uma data de abril; que só a coragem do MFA tornou possível.
Fonte: Eurico Brilhante Dias, Público, 10 de outubro de 2023