Não fechar as portas da Democracia, nem o País sobre si mesmo
Ao invés de legislar de forma ponderada e procurando consensos sobre temas relevantes para a vida dos Portugueses, a AD deixou-se contaminar pelo encantamento das perceções que distorcem a realidade nas redes sociais, ampliam narrativas truncadas e selecionam como bodes expiatórios os mais frágeis. Mais do que aos temas do Chega, rendeu-se à forma de desconsiderar a realidade, as evidências e a importância do debate e da participação nos processos legislativos.
Naquilo que submeteu ao parlamento recentemente, o Governo da AD foi muito para lá do que identificou no seu programa eleitoral, onde não apontava para as propostas de rutura com a tradição de País de acolhimento. Em vários aspetos, aliás, as suas propostas contrariam muito do que anunciou ao longo do ano transato sobre garantia do agrupamento familiar como forma de integração, criação de vias de imigração segura e regular em cooperação com empregadores ou aposta no regime para cidadãos da CPLP.
O método também evidencia mudanças negativas. As propostas de lei do Governo que alteram a Lei da Nacionalidade e a Lei dos Estrangeiros foram agendadas para a semana seguinte a terem dado entrada, sem que tenha sido elaborada nota técnica pelos serviços da Assembleia ou produzido relatório pela Comissão, depois de um despacho do Presidente da AR ter deixado expressas dúvidas de constitucionalidade.
O Governo não remeteu quaisquer pareceres, nem há registo de ter procedido a audições prévias a associações ou personalidades com contributos de relevo, evidenciando um desinteresse na participação qualificada que se espelha ainda na convocatória tardia do Conselho Nacional de Migrações e Asilo (CNMA). Ainda que não existam segundas oportunidades para criar uma boa primeira impressão, o Ministro da Presidência remeteu a participação para a especialidade, em sede parlamentar. Contudo, no dia seguinte, o Governo solicitava que fosse decretado um processo de urgência, inviabilizando as audições.
Pior do que o calendário apressado e sem precedentes, a opção da urgência nem sequer atende à necessidade de recolher parecer legalmente obrigatórias: uma lei que reduzirá a possibilidade de recurso aos tribunais, poderá vir a ser construída sem aguardar pela posição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
O parlamento tem recebido dezenas de exposições de cidadãos com partilha de apreensões sobre qual será o destino da lei que regula o seu futuro. Tem recebido contributos e vontade de participação no processo legislativo por parte de associações representativas de migrantes, bem como de académicos, advogados e outros juristas que aplicam e estudam as matérias há anos e que podem contribuir para evitar erros e inconstitucionalidades. Teve nas mãos a oportunidade de aprovar pedidos de pareceres por escrito ou de audições em comissão. Perante isto, como se manifestou a AD, como se concretizou a intenção do Ministro da Presidência de assegurar a participação de todos nestes procedimentos? Juntando o seu voto ao Chega para rejeitar os requerimentos.
Em relação à Lei dos Estrangeiros, que terá impactos muitíssimo negativos em setores relevantes da economia nacional (turismo, agricultura, construção civil, prestação de cuidados ou criação cultural), abrandará o crescimento, prejudicará a sustentabilidade da segurança social e dificultará a inclusão das populações migrantes, foram rejeitados os pedidos para ouvir a CGTP e a UGT, a CIP, a CAP e as Confederações de Comércio e Serviços e a do Turismo. Igualmente irrelevantes para a AD e para o Chega parecem ser a opinião e os contributos das associações representativas de migrantes, cujas vidas estão em jogo. Das cerca de vinte propostas de audição, nem uma foi admitida: nem as mais representativas em número de associados, nem as mais antigas na sua intervenção, nem sequer as que têm assento no próprio Conselho Nacional de Migrações e Asilo. A todas fecharam a porta.
Consultas não são mero formalismo, são o caminho para uma Democracia mais robusta e participada. São a forma de recolher dados e elementos informativos sobre a realidade sobre a qual se pretende legislar. São fundamentais para pesar os interesses e legitimar as decisões. Não é tarde para emendar a mão. Não é tarde para continuar a insistir na qualidade da vida Democrática. Não é tarde para resistir ao populismo.