O comboio português
O nosso país construiu as melhores estradas da Europa.
No ranking europeu, Portugal ocupa a 2.ª posição na qualidade rodoviária e a 11.ª na eficiência dos serviços ferroviários. Mas não vai continuar assim.
Com o programa Ferrovia 2020 foram mobilizados 2000 milhões de euros de financiamento com objectivo de aumentar a competitividade do transporte ferroviário, melhorar as ligações internacionais e transformar a operacionalização da ferrovia, com mais electrificação e sinalização. Mas, a par destes objectivos que estão quase executados, há que sublinhar algumas
decisões tomadas com impacto estratégico: a criação do Centro de Competências Ferroviárias e a reabertura/reabilitação das oficinas de Guifões, permitindo recuperar muito material circulante. Já foram recuperadas 30 carruagens (Portugal tinha 100 e ficará com 180 com esta abordagem), 16 locomotivas e nove automotoras.
Este investimento ascendeu a 10 milhões de euros, mas se fosse para comprar novo custaria 130 milhões. Todavia, em 2025 Portugal terá 22 novas automotoras. Até 2030 os investimentos previstos em material circulante ascendem a 1700 milhões de euros.
Mas não é tudo. Nos próximos oito anos, a ferrovia em Portugal viverá uma completa revolução. Além desta agenda que comporta investimentos de mais de 10.000 milhões de euros, está em curso uma estratégia que recentra a importância da mobilidade pela ferrovia, mas vai mais longe, ao pretender que Portugal não perca a oportunidade de edificar um cluster nacional associado a este sector. Para isso, e sendo um sector altamente competitivo e com enormes doses de I&D, é preciso mobilizar empresas nacionais, ou estimular a criação de outras, numa fertilização cruzada com os melhores players internacionais e o sistema científico e tecnológico, de modo a fazer emergir uma capacidade instalada que responda de forma competitiva à procura internacional.
Apesar de a Comissão Europeia, e em particular a DGCom, não ter apreço pela ideia dos campeões nacionais, que, aliás, é um símbolo que contrasta com o pilar da concorrência europeia, a verdade é que os acontecimentos últimos fazem percepcionar que o aprofundamento sem limites e sem consideração pela distância da divisão internacional do trabalho não protegeu os interesses da Europa e muito menos de cada um dos Estados soberanos. O movimento que se está a gerar com este ambicioso programa de estender ferro no país inteiro vai entregar aos portugueses um novo mapa ferroviário com ganhos na mobilidade, no ambiente, na economia. Mas, sem esta nova ambição de aproveitar a oportunidade para concretizar o surgimento de um novo sector e ajudar à diversificação industrial, Portugal limitar-se-á a uma espécie de “política de transporte”, numa expressão grosseira da gloriosa época dos descobrimentos, pagando milhares de milhões de euros ao estrangeiro. Mas há um caminho que pode trazer um resultado adicional: além de instalar uma rede de caminhos-de-ferro moderna, poderá estabelecer a agenda para o “comboio português”!
Para esta ambição será necessário um pacto de regime, porque o esforço não se esgota numa legislatura, e a capacidade de orientar estes objectivos exige compromissos sólidos para progredir no quadro de uma Europa cheia de premissas exigentes!
O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico