O silêncio dos cúmplices
José Pedro Aguiar-Branco, na ânsia de mostrar a diferença em relação a Augusto Santos Silva, falhou. Eu não me sinto representado. Não contem comigo para o silêncio dos cúmplices
Não, não pode. Não devemos permitir que a liberdade de expressão nos faça ser cúmplices do racismo, da homofobia, da misoginia, da discriminação ou da xenofobia. Na última sexta-feira, ficamos a saber que se um deputado insultar, denegrir ou proferir afirmações machistas, racistas ou homofóbicas, para o Presidente do Parlamento este comportamento não é digno de uma nota ou advertência. Muito preocupante.
José Pedro Aguiar-Branco, na ânsia de mostrar a diferença em relação a Augusto Santos Silva, falhou. Eu não me sinto representado. Não contem comigo para o silêncio dos cúmplices.
Tudo começou com uma intervenção sobre o novo Aeroporto (e já lá vamos a esse assunto, neste mesmo artigo). E como sobre o tema, o líder do Chega não tem muito a dizer além de, como sempre, este partido dizer tudo e o seu contrário, decidiu discutir o “sexo dos anjos”, e escolheu o povo certo para essa expressão, recordando as discussões teológicas na queda de Constantinopla.
A intervenção intolerante e populista sobre o povo turco por parte do líder do Chega não é centro do debate. É uma conversa de café intolerante. É também uma irresponsabilidade diplomática para com um país aliado na NATO e integrante do Conselho da Europa. A ironia é que, nessa mesma tarde, o objetivo dos populistas era prender por mais de 10 anos o Presidente da República por delito de opinião, tendo por base um crime de traição à pátria que nunca existiu. Nem esse nem qualquer outro. Vivemos tempos perigosos.
O ponto chave desta situação foi a resposta à interpelação da Presidente do Grupo Parlamentar do PS, Alexandra Leitão. Nestes tempos históricos, José Pedro Aguiar-Branco devia perceber que o seu papel é muito mais do que dar a palavra e controlar as grelhas de tempos. Como homem inteligente, moderado e culto que é vai, certamente, acabar por reconhecer o seu erro. Basta a memória, rebuscar o seu passado e, por exemplo, olhar para o seu conhecido discurso do 25 de Abril de 2010 onde, em nome do PSD, quis derrubar o preconceito.
Os últimos dias foram igualmente marcados pelo anúncio da localização do novo aeroporto. Uma escolha que teve como base a metodologia criada pelo último Governo.
55 anos separam-nos de 1969. Nesse ano o homem chegou à lua e tivemos o festival de Woodstock. Em Portugal a ditadura marcelista começou a discutir o tema da localização do novo aeroporto. É uma vergonha para todos. Já ninguém acredita. É o descredito da política e dos políticos. A não decisão em obras estruturantes representa custos, quer económicos, quer de credibilidade muito significativos. E é este o caso do aeroporto ou da alta velocidade, onde estamos isolados na Europa. E nestes dois temas Pedro Nuno Santos tinha razão. E o Governo avança apenas com o já iniciado pelo Secretário-Geral do PS quando, à época ministro das Infraestruturas, teve a coragem de decidir.
Não vou entrar neste debate na localização. Prefiro analisar as coerências. A solução agora definida surge do consenso da Comissão Técnica Independente que Luís Montenegro criticou na campanha. Esta é também a localização escolhida por Pedro Nuno Santos em 2022, tão criticada pelo PSD. E foi a mesma localização que o governo de Passos Coelho abandonou quando, no pós-privatização da ANA, apresentou a solução Montijo ao país.
Como deputado eleito pelo círculo eleitoral de Santarém realço a particularidade de duas das soluções estudadas, a solução de Santarém e a de Benavente (conhecida como Alcochete) se situarem no meu distrito. Sempre defendi que o novo aeroporto, sendo uma mais-valia para a região, devia situar-se onde tecnicamente fosse mais viável e com mais ganhos para o país, sendo até conhecidas declarações públicas minhas a contestar uma eventual exclusão de Santarém do estudo. O anterior Governo acabou por colocar Santarém em análise, e muito bem.
Mais do que a decisão do local, que terá sempre críticas, esta é a altura de decidir, e eu não quero ser cúmplice de silêncios e indecisões que nos saem caras demais.
Fonte: Hugo Costa, Expresso, 22 de maio de 2024