OE de combate à crise
No essencial, o OE-2022 corresponde, com ajustamentos no cenário macroeconómico, aos compromissos do Orçamento chumbado na AR no final de 2021 e que abriu caminho a eleições antecipadas e a uma maioria do PS.
Foi com base nestes compromissos e neste Orçamento que o PS fez campanha, pelo que qualquer outra opção seria incompreensível. O que não diriam os partidos derrotados pelo voto dos portugueses se, logo depois das eleições, o Governo não cumprisse agora aquilo que foi prometido?
Acresce que as principais críticas ao OE são injustas ou factualmente incorretas.
A direita insiste que Portugal diverge da UE, quando na verdade os anos antes da pandemia foram aqueles em que o país convergiu com a Europa e as previsões de crescimento para os próximos anos retomam esse rumo.
Insiste também a direita que a carga fiscal é em Portugal incomportável. Mas a verdade é que temos uma carga fiscal vários pontos abaixo da média da UE e que ainda assim o OE-2022 prevê passos de desagravamento, tanto para as empresas como para as pessoas, como a revisão das tabelas do IRS, com desdobramento do 3º e do 6º escalão, beneficiando 1,5 milhões de famílias (em €150M), ou a eliminação do PEC, exemplos de medidas fiscais que representam um alívio global de €225M.
Prometer uma baixa generalizada de impostos para as empresas e para as pessoas (nalgumas versões, para pôr todos a pagar o mesmo — uma injustiça fiscal, além de inconstitucional, socialmente intolerável) é um logro se não se assumir que tem uma consequência, que é aliás um sonho mal disfarçado: reduzir o Estado a uma dimensão mínima, diminuindo a capacidade do Estado de apoiar empresas, privatizando muitas das suas funções e obrigando as pessoas, pelo menos as que conseguirem, a pagar no mercado serviços de saúde, educação e proteção social, e privando outras de acesso.
A estratégia inversa, prometer um aumento acelerado dos benefícios sociais, incorre no risco de comprometer a sustentabilidade das contas públicas que serviu de motor aos imensos avanços sociais dos últimos anos. As pensões subiram sempre e as mais baixas tiveram aumentos extraordinários; em seis anos, o salário mínimo cresceu quase 30% em termos reais, e o salário médio 11% reais, muito acima da inflação. Os rendimentos não salariais tiveram também incrementos importantes, por exemplo nos passes sociais, no abono de família, nas tarifas sociais da energia.
De resto, o trajeto de subida do salário mínimo e a questão dos rendimentos, no âmbito da concertação social, não estão fora das prioridades e o próprio OE-2022 garante mais avanços: atualização extraordinária das pensões mais baixas para 2,3 milhões de pessoas; Garantia para a Infância, com 45 milhões já em 2022; gratuitidade progressiva das creches e majoração do limite mínimo do subsídio de desemprego.
Se conseguirmos conter os riscos de espiral inflacionista e a situação for transitória como as previsões sugerem, os avanços recentes e os novos passos serão uma almofada para projetar os próximos anos com confiança e sem a austeridade da grande crise anterior.
O Governo tem dado sucessivas provas de contas certas, sem deixar de promover crescimento económico, emprego e coesão social. Em tempos de crise e de incerteza, é ainda mais importante ter como bússola um equilíbrio entre estes imperativos.
Seriam os portugueses, sobretudo as classes médias, os mais desfavorecidos, mas também as empresas, a pagar as consequências de nos desviarmos deste rumo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Miguel Cabrita, Jornal Expresso, 29 de abril de 2022