Oposição além do orçamento
O pior serviço que o partido que lidera a oposição pode prestar à democracia é deixar de se constituir como uma verdadeira alternativa, construtiva e responsável, mas também rigorosa, atenta, firme e propositiva
A apresentação, a discussão e a aprovação do Orçamento do Estado (OE) é sempre um momento muito agitado politicamente, exceto, naturalmente, nas legislaturas de maioria absoluta. Em Portugal, desde o 25 de Abril, houve várias soluções e configurações que permitiram a Governos minoritários aprovar Orçamentos, incluindo acordos entre os dois maiores partidos, mas também acordos com partidos mais pequenos e até apenas com algum ou alguns deputados de partidos da oposição que quebraram a disciplina de voto. Mas só em 2021 ocorreu a dissolução da Assembleia da República (AR) na sequência da reprovação do Orçamento do XXII Governo, do Partido Socialista. A partir daí criou-se um entendimento e uma prática, pela mão do atual Presidente da República, de que o “chumbo” do Orçamento implica a queda do Governo, a dissolução da AR e a convocação de eleições antecipadas, apesar de isso não resultar do disposto na Constituição da República Portuguesa e de haver alternativas, quer no plano jurídico, quer no plano político.
Efetivamente, não só é possível apresentar um segundo Orçamento como a verdade é que a governação por duodécimos não comporta tantas limitações como se faz crer, pelo que é uma opção a ter em conta. Apesar disso, a doutrina instalada neste momento é a de que a rejeição do OE implica eleições antecipadas, o que traz um dramatismo e uma crispação exagerados ao momento da apresentação e votação do Orçamento.
Sendo assim, a ponderação que um partido da oposição responsável tem de fazer não é apenas sobre o Orçamento em si mesmo, mas também sobre o momento da legislatura e do ciclo político e sobre as consequências da não aprovação. Isto significa duas coisas: que pode justificar-se não rejeitar um OE com o qual se discorde, uma vez que se deve ter em consideração outros aspetos e não só o seu conteúdo, e que isso em nada deve limitar ou tolher o papel da oposição. Viabilizar um Orçamento para evitar uma crise política ou eleições antecipadas, além de ser relativamente excecional, não é uma manifestação nem de apoio, nem de adesão às soluções ou medidas nele contidas. É uma decisão de natureza formal e não material.
Por isso mesmo, o papel da oposição continua a ser o mesmo: fiscalizar a atuação do Governo, influenciar a governação, fazer aprovar as suas propostas e demonstrar as opções erradas, as omissões e as incorreções do próprio OE.
Num Parlamento muito fragmentado, em que o partido que suporta a governação não consegue garantir a estabilidade política, isto acentua a dependência do Governo face ao principal partido da oposição. É isto que acontece hoje em Portugal.
Já defendi várias vezes nestas páginas — e mantenho — que a garantia da alternância entre partidos democráticos é absolutamente necessária para afastar do poder a extrema-direita populista, pelo que a corresponsabilização e o esbatimento das diferenças entre aqueles partidos serve sempre o interesse dos populistas. Assim, o pior serviço que o partido que lidera a oposição pode prestar à democracia é deixar de se constituir como uma verdadeira alternativa, construtiva e responsável, mas também rigorosa, atenta, firme e propositiva.