Pensões: memória, verdade e demagogia
Demagogia e irresponsabilidade com zero ganhos para quem precisa hoje de respostas. Este é o PSD atual.
Anda por aí um cartaz do PSD que mostra Montenegro sorrindo, doce, olhando para uma mulher idosa, e onde se lê: “‘austeridade socialista, corte de 100 milhões’ versus ‘justiça social PSD, nenhum corte’.” É o mesmo Montenegro que há tempos afirmou: “Não houve nenhum corte de pensões abaixo de 1500 euros” (no Governo de Passos Coelho). É caso para perguntar o que se passa com Montenegro (e com o PSD). Será possível acreditar que as pessoas, por serem idosas, não se lembrem do que passaram? É difícil perceber a dimensão da aposta, desde logo linguística, de quem sabe estar a faltar à verdade.
Em 2011, os pensionistas ficaram sem subsídio de férias e de Natal e no ano seguinte ficaram sem um deles. O Tribunal Constitucional (TC) travou tamanha violência. Em janeiro de 2013, as pensões acima de 1350 euros sofreram um corte entre 3,5% e 10%. Em setembro de 2013 determinou-se um corte de 10% nas pensões da Função Pública acima de 600 euros. O TC chumbou, por unanimidade, o corte de 10% nas pensões de aposentação, reforma e invalidez de valor ilíquido mensal superior a 600 euros.
O Governo de Passos Coelho foi várias vezes travado pelo TC, porque a austeridade que escolheu prosseguir politicamente, que ultrapassava em muito o exigido pelo memorando da troika, violava a Constituição. Montenegro defendeu uma e outra vez uma austeridade inconstitucional, e se a direita tivesse ficado no poder em 2015 Montenegro lá estaria a defender “um impacto positivo na ordem de 600 milhões de euros no sistema de pensões” — e sabemos bem o que isso era.
Demagogia e irresponsabilidade com zero ganhos para quem precisa hoje de respostas. Este é o PSD atual
Aqui estamos. A fórmula relativa à atualização das pensões (Lei 53-B/2006) foi construída num pressuposto de evolução “normal” das condicionantes macroeconómicas. O Governo que o país conhece por ter devolvido salários e pensões, assegurando a sustentabilidade da Segurança Social, propôs ao Parlamento que em 2023 se aplique uma regra específica de atualização, que se situa entre 3,53% e 4,43%, consoante o intervalo das pensões (até 2 IAS, entre 2 e 6 IAS e entre 6 e 12 IAS). Os dados sobre os quais o Executivo trabalha indicam que a aplicação automática da fórmula em 2023 conduziria inevitavelmente a uma antecipação dos primeiros saldos negativos já para o fim desta década, bem como a uma redução em 13 anos da capacidade do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS).
O PSD que o país gostaria de ver responsável e como alternativa ao PS adotou a postura do Chega. Atira com factos alternativos para o ar, defende a aplicação de uma fórmula legal que sempre rejeitou, só a aplicando para impedir aumentos, e aposta na infantilização de quem sabe o que é a devolução de direitos e de quem se lembra e de quem sentiu — sentiu — os aumentos extraordinários das pensões mais baixas.
Montenegro optou por lutar contra o apoio extraordinário no valor de 50% das pensões num momento tão difícil como este, optou por ignorar a responsabilidade de um verdadeiro contrato entre gerações. É verdade que estamos a perder poder de compra, mas o efeito da inflação sem precedentes em 20 anos não é decisão, pelo que equiparar perda de poder de compra nestes termos a “corte” operado política e juridicamente é absurdo. Demagogia e irresponsabilidade com zero ganhos para quem precisa hoje de respostas. Esta é a face atual do PSD. Que seja de outros é normal, mas do PSD esperamos sempre mais. Pelos vistos, em vão.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Fonte: Isabel Moreira, Jornal Expresso, 23 de setembro de 2022