PRR: reprogramação à porta fechada e sem explicações
É legítimo o Governo fazer as suas escolhas, mas numa democracia madura, essas escolhas não se fazem à porta fechada, não são apresentadas como factos consumados
Comecemos pelos factos.
O atual governo tomou posse com “Portugal acima da média na execução do PRR […e] melhor do que a maioria dos países”, afirmava a, então, Comissária Europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, em entrevista ao Público/RR, a 9 de maio 2024. Esta apreciação sobre o PRR foi ainda confirmada pela Diretora-geral da SG RECOVER da Comissão Europeia (CE) quando, em 23 de maio de 2024, na Assembleia da República, referiu que “até ao momento as coisas estão a correr bem […], os efeitos positivos do PRR já estão a ser alcançados […e] Portugal não faz parte dos países-preocupação”.
Estes eram os factos. Mas os factos não retiram os desafios, a exigência e o sentido de urgência na implementação do PRR. Nem afastam a necessidade de ajustes e adequações, como aliás está a ser feito por vários Estados-Membros da União Europeia. O que se espera do Governo é ação, capacidade de adaptação às circunstâncias, mas sempre com transparência e diálogo.
Assim, no passado dia 1 de fevereiro, o Governo português entregou à CE essa reprogramação, tendo procedido à redistribuição de quase 1.500 milhões de euros, à eliminação de projetos – como a Barragem do Pisão, a Dessalinizadora do Algarve ou Linhas de Metro em Lisboa – e à redução do investimento na Habitação. O Governo garante que nenhum destes projetos será esquecido, contando com outras fontes de financiamento: Portugal 2030, Orçamento de Estado ou o Banco Europeu de Investimentos. Como os recursos são escassos, por definição, o financiamento destes projetos implicará que outros não o serão.
É necessário fazer escolhas e essas escolhas não são neutras, são opções políticas. É legítimo o Governo fazer as suas escolhas, mas numa democracia madura, essas escolhas não se fazem à porta fechada, não são apresentadas como factos consumados. É necessária a participação dos cidadãos e das instituições que os representam. Como poderiam os grupos parlamentares participar nessa discussão, apresentando contributos, se só conheceram as linhas gerais desta reprogramação na antevéspera da entrega à CE, sem disponibilização prévia de documentação? Como poderia a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR emitir opinião informada se apenas foi ouvida horas antes da submissão dessa reprogramação? Porque não foram auscultados os parceiros económicos e sociais ou as entidades do terceiro sector? Como é possível a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) não ter sido sequer consultada? Que, aliás, alertou para “muitas questões sem resposta” e solicitou reunião urgente ao Governo.
No parlamento, confrontámos o ministro da Coesão Territorial, com estas e outras questões. Desvalorizou-as todas, afirmando que se tratava de críticas ao método ou à forma e não ao conteúdo. Em democracia, forma e conteúdo são indissociáveis ou, então, “os fins justificam os meios”, parafraseando Maquiavel. O que esta postura do Ministro da Coesão Territorial nos transmitiu é que a opinião dos outros não importa, não interessa, que o Governo é omnisciente e como tudo sabe não precisa dos outros para nada, sejam organizações ou partidos políticos.
Ao contrário da reprogramação anterior, do último Governo, que assentou num processo aberto e participado, com contributos da sociedade civil e dos parceiros económicos e sociais, desta vez o país não conheceu a reprogramação do PRR. O governo não pediu parecer a ninguém. Foi uma reprogramação sem diálogo e sem transparência. Voltando ao início, não vale a pena argumentar contra os factos ou apesar deles. São eles que garantem que políticos e governos prestam contas aos cidadãos e às instituições que os representam. Na Assembleia da República, continuaremos a assegurar a fiscalização da ação governativa e a sua ação transparente, em defesa de Portugal e dos portugueses. É o que se espera do principal partido da oposição numa democracia madura como é a nossa.