Reconhecer o Estado da Palestina
Ao longo de décadas, a criação de um Estado palestiniano tem sido sucessivamente adiada, protelada, ignorada. A comunidade internacional tem afirmado, em resoluções e declarações, que a coexistência de dois Estados é o único caminho possível para uma paz duradoura entre israelitas e palestinianos. Mas entre o princípio e a prática vai uma distância que o tempo, a violência e a resignação tornaram insustentável.
Hoje, essa distância mede-se em milhares de vidas perdidas e em comunidades inteiras privadas de segurança, dignidade e esperança. A situação em Gaza é intolerável. E o mundo não pode continuar a olhar para o conflito israelo-palestiniano como uma tragédia distante ou irresolúvel. Persistir na passividade é, neste contexto, uma forma de cumplicidade.
Portugal tem afirmado, em diversas ocasiões, o seu compromisso com o multilateralismo, os Direitos Humanos e o Direito Internacional. Mas há momentos em que as convicções precisam de se traduzir em decisões concretas. Reconhecer o Estado da Palestina é, seguramente, um desses momentos.
Não se trata de ignorar os desafios que subsistem — tanto no plano político interno palestiniano como nas dinâmicas regionais. Trata-se, antes, de reconhecer que a ausência de um Estado soberano e viável não pode continuar a ser aceite como “normal”. Que a perpetuação da ocupação, do alargamento dos colonatos e do bloqueio contraria frontalmente o Direito Internacional. E que nenhum processo de paz será viável enquanto a Palestina for tratada como uma entidade condicional, e não como um sujeito de pleno direito.
Há mais de 140 países que já reconheceram a Palestina. Entre os mais recentes, estão democracias europeias com as quais Portugal partilha valores e interesses. O argumento de que devemos esperar por uma posição comum da União Europeia é compreensível, mas já não é sustentável. Quando o consenso se revela impossível, a liderança nacional torna-se indispensável.
A urgência do reconhecimento adensa-se ainda mais quando se observa a deriva política do atual governo israelita, profundamente dependente dos partidos extremistas que o integram e que não apenas rejeitam o processo de paz, como defendem abertamente a anexação da Cisjordânia. Estes discursos e práticas não representam todo o povo israelita — que continua a integrar vozes corajosas a favor da paz — mas refletem um poder executivo que escolheu o confronto em vez da negociação.
Reconhecer a Palestina é ir ao encontro da solução. É afirmar que a segurança de Israel não se constrói sobre a negação do outro, mas sobre a coexistência. É dizer aos povos da região que acreditamos na diplomacia, na paz negociada, no direito à autodeterminação.
O gesto pode ser político, mas o seu efeito é profundamente humano: dar sinal de que há futuro onde hoje só se vislumbra sofrimento. Portugal tem autoridade moral e legitimidade diplomática para desempenhar este papel.
A História reserva sempre um lugar para quem escolhe agir quando a esperança mais escasseia.