Serviços públicos: crónica de uma morte anunciada?
Num contexto internacional em que tem vindo a ganhar terreno a desregulação da economia e do mercado laboral, a privatização dos serviços públicos e o desinvestimento nos direitos sociais, nunca foi tão importante defender os serviços públicos. Os direitos à saúde e à educação devem ser assegurados pelo Estado, através do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, ambos universais e gratuitos, sem prejuízo de poder haver privados a prestar serviços também nesses sectores.
Mas não é isso que o atual Governo tem feito. E há vários exemplos que o comprovam: o reforço das Unidades de Saúde Familiar modelo C que incentivam a saída de profissionais, em especial médicos, do SNS para estruturas privadas; o desvio de recursos da saúde pública para a privada através do aumento da majoração fiscal para empresas que ofereçam seguros de saúde (que representam apenas 3% a 5% da despesa total em saúde, uma vez que os tratamentos mais caros, mais complexos e mais graves são realizados no SNS); o acréscimo de verbas para os contratos de associação com escolas particulares; os planos de alienação de imóveis públicos, apesar de terem aptidão habitacional a custos controlados; a retirada de 68 milhões de euros à Fundação para a Ciência e Tecnologia e a redução do financiamento da RTP sem explicar como se vai garantir o serviço público de radiotelevisão.
A isto acresce a incompetência na gestão dos serviços públicos. Mais de sete meses volvidos desde a tomada de posse do Governo, que anunciou na campanha eleitoral soluções imediatas para os problemas da saúde e da educação, a qualidade dos serviços prestados está inquestionavelmente pior, como demonstram o drama das urgências de obstetrícia fechadas no verão, que aumentaram 40% face a 2023 e a opacidade nos dados de saúde; os 180.000 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina no início do ano letivo (mais 40.000 do que no ano de 2023), a falta de solução para milhares de alunos sem aulas uma vez por semana há mais de dois meses devido à greve dos assistentes operacionais, apesar de o Governo dizer que pacificou as escolas, e até a fuga de reclusos do estabelecimento prisional de Vale de Judeus.
A situação ocorrida recentemente no INEM atingiu um novo máximo de incapacidade na governação pública. O Governo preferiu ignorar o pré-aviso de greve, apesar de este ter sido entregue com a antecedência legalmente devida, deixando milhões de portugueses sem acesso ao serviço de emergência médica, período durante o qual morreram 11 pessoas em circunstâncias que estão a ser investigadas. Confrontados com as consequências desastrosas da sua displicência, o primeiro-ministro e a ministra da Saúde negaram ter tido conhecimento do pré-aviso de greve, ao contrário do que se veio a demonstrar. E, como sempre, enjeitaram responsabilidades e atiraram culpas para tudo e todos, do Governo anterior aos dirigentes e trabalhadores do sector (apesar de esta direção do INEM, a terceira em sete meses, já ter sido designada pelo atual ministério), num registo a que o Governo já habituou o país e os portugueses.
Solução? Sempre a mesma: entregar a privados a gestão dos serviços públicos. Para este Governo, a privatização dos serviços públicos não é só uma opção ideológica, mas também uma forma de contornar a sua incompetência para gerir esses serviços.