Superpoder
Todas as gerações crescem com o imaginário povoado de super-heróis. E é desta forma que ainda muitos olham para a liderança, como um dom inato. É certo que encontramos algumas figuras que, pelas suas qualidades humanas e profissionais, parecem ter um superpoder reservado a alguns (poucos) seres humanos: o poder de levar as pessoas consigo, estimular que elas façam coisas extraordinárias e ainda mudar o mundo a sua volta.
Encontramos alguns exemplos no livro de Henry Kissinger, recentemente editado em Portugal (“Liderança, seis estudos sobre estratégia mundial”), que analisa o estilo e o impacto de seis líderes mundiais com estratégias politicas diferentes mas que desenvolveram qualidades semelhantes apesar das profundas diferenças entre as respetivas sociedades: a capacidade de compreender a situação, a capacidade de conceber uma estratégia para gerir o presente e moldar o futuro e a aptidão para conduzir as sociedades rumo a propósitos elevados, com coragem para escolher entre opções complexas e difíceis e força de carácter para manter uma via de ação cujos benefícios e riscos não podem ser completamente avaliados no momento da escolha.
Mas nem precisamos de ir longe: olhando para o nosso país, pensamos de imediato no comendador Rui Nabeiro, que nos deixou em março passado e que foi considerado pelos portugueses em 2022 como o líder mais relevante e com melhor reputação, pela sua humildade, autenticidade e visão de futuro. Um exemplo de liderança responsável e ética, trabalhando para o mundo e para os outros, sempre em proximidade às pessoas.
Mas, olhando mais de perto para o percurso destes líderes constatamos algo que os académicos defendem: que embora alguns atributos individuais inatos possam ser facilitadores de algumas das competências chave de um líder, a liderança é essencialmente um conjunto de comportamentos utilizados para apoiar as pessoas a alinhar a sua atuação com uma estratégia e assim conseguir alcançar resultados que não seriam possíveis de outra forma. Algo que inspira, energiza e mobiliza de forma diferente em cada contexto ou situação e muitas vezes feita de pequenos passos.
Qualquer que seja a escala de análise, sejam países, empresas ou entidades da Administração Pública (AP), a liderança é algo que se faz e não algo que se é. Logo, é algo que se aprende. E se podemos considerar que a liderança política está mais próxima de valores e da ética da responsabilidade, e a liderança organizacional está mais perto da tecnocracia, até esta não deixa de ter necessidade de visão, influência e compreensão dos mecanismos psicológicos de adesão das pessoas a um projeto de trabalho. Isto significa que estamos cada vez mais longe da relação clássica de superior/subordinado, longe da relação de enquadramento técnico e direção, típicas do modelo de comando e controlo da economia industrial e a caminhar para uma nova abordagem na qual os líderes estão ao serviço de todas as partes interessadas, desde clientes, fornecedores, a comunidade, mas, de forma muito particular, das pessoas que lideram, facilitando a sua vida em termos físicos, cognitivos e emocionais.
Por isso, para termos organizações sustentáveis e um país próspero e competitivo, é crucial promover a aprendizagem da liderança. Felizmente, há algum tempo que não só a academia e as empresas, mas também a AP, compreenderam a necessidade de criar programas de desenvolvimento de competências de liderança que incluem abordagens multidimensionais com formação em sala (mesmo virtual), coaching, mentoring e trabalho colaborativo.
Para que a liderança seja um verdadeiro superpoder, que controla o tempo, cria energia, transforma pessoas e transporta as organizações para outras dimensões, tem de ser adquirido com aprendizagem de sucessos e histórias de superação e ao longo dos percursos profissionais dos trabalhadores que serão futuros líderes, naquele que é um investimento central do capital humano e que, para a AP, é também um fator de atração e fixação de talento.
Pensar neste tema para a AP é fundamental, pois esta suporta a ação das lideranças políticas. E, como afirma Kissinger, “Qualquer sociedade, seja qual for o seu sistema político, está em trânsito perpétuo entre um passado que forma a sua memória e uma visão de futuro que motiva a sua evolução. Nesse percurso, a liderança é indispensável: é necessário tomar decisões, conquistar confiança, cumprir promessas e propor vias de progresso. As instituições humanas, sejam Estados ou empresas, necessitam de liderança que contribua para a condução das pessoas da realidade em que estão para uma outra em que nunca estiveram e que, por vezes, mal imaginavam alcançar”.
É destes super-heróis que a nossa AP necessita para lidar com todos os seus desafios, mobilizando os seus trabalhadores para garantir as melhores respostas a sociedade.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico