Um apelo para 2025
A grande vitória da extrema-direita é que as suas ideias autoritárias e securitárias sejam assumidas e executadas pelos Governos de direita
A captura das forças políticas da direita pela agenda da extrema-direita é uma tendência que tem vindo a ganhar expressão em muitos países, incluindo Portugal, onde o Governo tem adotado um discurso populista, sobretudo ao nível da segurança e da imigração.
Nas últimas semanas de 2024 assistimos a situações particularmente graves, com a realização da “operação policial especial” no Martim Moniz no dia 19 de dezembro e as declarações do primeiro-ministro sobre a mesma e com a aprovação na generalidade na Assembleia da República, com os votos da AD e do Chega, de projetos de lei que alteram o paradigma de universalidade do Serviço Nacional de Saúde, ao arrepio do disposto nos artigos 15º e 64º da Constituição, retirando o direito a cuidados de saúde aos estrangeiros residentes que não estejam ainda regularizados. O próximo passo será a introdução de limitações no acesso à escola pública?
Ambas as medidas são tomadas com base em perceções e não em factos: na perceção de insegurança, em especial associada à imigração (que todas as estatísticas infirmam claramente), e na perceção de haver abusos no recurso ao SNS por estrangeiros. Ora, do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde de 6 dezembro de 2024 retiram-se os seguintes dados: em 2023 houve cerca de seis milhões de urgências a nível nacional, das quais 102.252 de estrangeiros (ou seja, 1,6%), e em 60% destes atendimentos as pessoas estavam abrangidas por seguros, por acordos internacionais ou pelo Cartão Europeu de Seguro de Doença. Assim, e sem prejuízo de ser preciso obter mais elementos, estas medidas não parecem ter justificação. São medidas desumanas e discriminatórias, porque negam um direito básico a estrangeiros residentes no nosso país, e que vão pôr em risco a saúde pública, por deixarem sem prevenção e sem tratamento doenças transmissíveis. Parece que já se esqueceram as lições retiradas da pandemia de covid-19…
Acresce que retirar direitos e proteção social — isso, sim — vai criar revolta e insegurança. Os países que desinvestem no Estado social tornam-se mais desiguais, mais injustos e menos coesos e, consequentemente, mais inseguros. A insegurança combate-se com justiça social e integração.
A grande vitória da extrema-direita é que as suas ideias autoritárias e securitárias sejam assumidas e executadas pelos Governos de direita, que o fazem quer para obter ganhos eleitorais (muitas vezes sem o resultado pretendido, uma vez que são os partidos da direita radical que capitalizam essas políticas), quer para desviar a atenção da sua própria incapacidade para resolver os problemas das pessoas, melhorar os serviços públicos e promover o crescimento económico. Estes Governos serão julgados pela História por serem veículos de expansão de ideias extremistas e populistas, em vez de contribuírem para, pedagogicamente, travar o crescimento do discurso de ódio e da divisão social. Infelizmente, a História do século XX é exemplo paradigmático do trágico resultado dessa irresponsabilidade.
Deixo um apelo para 2025: que as forças políticas democráticas (de direita e de esquerda) que partilham os valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da solidariedade se entendam para salvar o “chão comum” assente na democracia, no Estado de direito e no Estado social.