

Entrevista. OE2024: “Tem de dar um passo em frente” nos “salários da função pública”
Eurico Brilhante Dias Não está preocupado com o que a CPI à TAP possa vir a revelar, o que vê como “preocupante” é a “degradação do ambiente político” no Parlamento
O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, defende que o Orçamento do Estado para 2024 terá de apostar nas “políticas de valorização salarial” destinadas, “em particular”, à função pública. Para a próxima sessão legislativa, elege como bandeira do Grupo Parlamentar do PS (GPPS) uma “agenda dos idosos”, até porque, sublinha, “o país tem imensas lacunas na área da oferta de serviços às pessoas com mais idade”. Já sobre a não aceitação da demissão de João Galamba por António Costa, defende que a decisão clarificou que é o primeiro-ministro quem “define a sua equipa”.
O Presidente da República promulgou o diploma sobre os professores, explicando que fez propostas e que o Governo não as aceitou. É o Presidente a tentar legislar?
Não, o Presidente não legisla. Mas essa explicação tem um elemento que me parece positivo, do ponto de vista dos dias que vivemos. Primeiro, o Presidente da República promulga, isso é um elemento importante, um diploma numa área que tem tido conflitualidade social com greves e manifestações de professores. Mas também fica absolutamente claro, isso é uma vantagem, que o Governo tem um processo legislativo que é completo, complexo, que, nesse caso em particular, passou também por negociações com os sindicatos e que, governando, chegando ao limite dessa negociação, legisla. Ouve o Presidente da República, porque se percebeu um conjunto de interações que foram mantidas. O Presidente sinalizou questões que lhe pareciam importantes, mas, no fim, o Governo tomou a decisão, governando.
Qual é, neste momento, o rosto da oposição ao Governo do PS?
Luís Montenegro é o rosto. Sem dúvida.
Compreende a crítica de que o Governo está paralisado?
Não me parece. Essa crítica é um pouco injusta porque não reflete o trabalho que, durante um ano, o Governo fez. Está excessivamente focada nos aspetos mais particulares do que chamamos “os casos e os casinhos”, sendo que devo dizer que alguns com mais e outros com menos importância. O Governo acaba de apresentar um pacote importante na área da habitação. O Governo aprovou uma proposta de lei, com alterações do GPPS e de outros grupos parlamentares, a Agenda para o Trabalho Digno. O GPPS, no quadro do Plano de Recuperação de Resiliência, alterou a Lei das Ordens Profissionais. Aprovámos dois orçamentos. Acabámos de aprovar um Programa de Estabilidade, que é um momento importante. E, portanto, o Governo está a governar e com bons resultados na frente económica.
O noticiário sobre a atividade parlamentar tem sido dominado pelas revelações da CPI à TAP. Preocupa-o o rumo que pode levar a CPI?
Não. Preocupar-me-ia o rumo se a CPI não apurasse a verdade. E a verdade nas dimensões para o qual foi constituída. Primeira, a tutela política da TAP entre 2020 e 2022. Por isso, para além do caso da indemnização de Alexandra Reis, a CPI deve versar ainda mais, se for possível, sobre como é que o plano de reestruturação tem sido executado, que resultados é que estamos a obter. No caso particular da indemnização de Alexandra Reis, olhar para o relatório da Inspecção-Geral de Finanças e para a sua conclusão e perceber como é que, a partir dele, foram tomadas decisões. Em particular, a exoneração por justa causa da ex-CEO e do ex-presidente do conselho de administração. Evidentemente, procurar, a partir daí, melhorar. Porque as CPI também são para podermos melhorar a administração pública. As polémicas que têm surgido, não lhes quero retirar relevância, mas, na esmagadora maioria, são aspetos que são lateralidades à gestão da TAP. E a TAP é um ativo muito importante que deve ser preservado. Na CPI, a Assembleia da República tem essa obrigação, a de também preservar a TAP.
Havia mesmo necessidade de Jorge Seguro Sanches se demitir da presidência da comissão?
É uma avaliação do próprio, depois de considerar que foi posta em causa a sua honorabilidade, e por vários grupos parlamentares, que não o do PS, não se comprometerem com os trabalhos da CPI. O apuramento da verdade não prescinde de urbanidade e de trabalho. Não posso, como líder parlamentar, deixar de agradecer o trabalho bem-feito e o conjunto de alertas que deixou.
Qual é o timming que o PS prevê para o fim dos trabalhos da CPI?
A avaliação é feita pela própria CPI. O PS continua empenhado em que se apure a verdade. E continuo a preservar a independência dos deputados do PS nessa comissão. É fundamental. Relembro que esta CPI foi viabilizada pelo GPPS.
O primeiro-ministro fez bem em não aceitar o pedido de demissão de João Galamba?
Não consigo responder essa pergunta, porque essa é uma avaliação do próprio.
Mas qual é a sua opinião?
Como líder parlamentar, a primeira nota é esta, o primeiro-ministro define a sua equipa, o Governo é avaliado coletivamente como equipa. Na minha opinião, acho que foi um momento particularmente clarificador nesse sentido, em que o primeiro-ministro, fazendo a sua avaliação, tomou uma decisão, que hoje se compreende não ter sido aquela que tomaria o Presidente da República ou até a generalidade da opinião pública e publicada.
A ideia de que António Costa quer eleições antecipadas faz sentido para si?
Não e espero que não faça sentido, não só para o primeiro-ministro, mas também para ninguém dentro do PS. O PS recebeu um mandato. Os portugueses, quando votaram, em 2022, outorgaram uma maioria absoluta ao PS muito evidentemente pela liderança de António Costa. Sentiram que o PS era um refúgio importante, perante a incerteza de uma direita potencialmente refém da extrema-direita parlamentar e de uma esquerda que não dava garantias de estabilidade política. E com um programa e um Orçamento que tinham sido chumbados no Parlamento. Portanto, nós temos particulares responsabilidades em chegar a 2026 com o país melhor e executando o programa eleitoral. E é isso que nos deve nortear. Por isso, muitas das discussões que são perfeitamente laterais sobre dissolução da Assembleia da República, sobre eventuais sucessores do primeiro-ministro, são discussões, no essencial, ao arrepio do mandato que tivemos. O nosso mandato é chegar a 2026, executando o programa e com um país melhor.
Se houvesse agora eleições, quem beneficiava mais?
Neste momento, não sei. O que me parece preocupante é a degradação do ambiente político. Não é apenas uma inquietação no espectro político ou mediático. É também nas instituições, em particular na Assembleia da República, como temos verificado no passado recente. Essa degradação das instituições, que está em pequenas coisas, desde um vocabulário que se utiliza ao tipo de intervenção que temos no hemiciclo, à forma como utilizamos os instrumentos de gestão parlamentar. É evidente que essa degradação só aproveita a uma entidade política que já tem representação no Parlamento.
Está a referir-se ao Chega?
À extrema-direita, ao Chega, porque é a degradação, a ideia de que somos todos iguais, que não nos distinguimos, uma certa normalização da polarização e de um certo radicalismo discursivo, que anula a moderação, a possibilidade de consenso, a reflexão sobre políticas públicas. Isso traduz-se inevitavelmente num aproveitamento da extrema-direita parlamentar, porque basicamente não discute soluções, só discute problemas. Isso é evidente.
Falando do Chega, como é que vê a atitude do presidente da Assembleia da República?
Já tive de me levantar mais do que uma vez para defender a honra da bancada. Agora, o GPPS tem uma norma que é: não damos mais tempo à extrema-direita parlamentar, por isso não fazemos perguntas, nem queremos respostas da extrema-direita parlamentar. E todos sabem que o GPPS não vota favoravelmente, nem se abstém em nenhuma proposta desse partido.
A posição do GPPS é muito clara. Mas como é que vê a atitude do presidente da Assembleia?
O presidente tem uma obrigação, que é de todos, mas é primeiro dele, que é a de fazer cumprir o Regimento. Esse mandato que ele tem obriga-o a ter mais vezes intervenção dentro do plenário. Às vezes, aquém daquilo que o próprio teria feito. Falo em particular de momentos em que a extrema-direita parlamentar usa de forma absolutamente abusiva figuras regimentais. O presidente tem de fazer cumprir o Regimento, isso obriga-o a ter mais intervenções junto da extrema-direita parlamentar. Porque a extrema-direita parlamentar procura sempre alargar a fronteira das suas intervenções para além do Regimento e, aliás, para lá da urbanidade e do convívio social mínimo. Aliás, como foi manifestado no evento em que tivemos connosco o Presidente da República Federativa do Brasil e onde, objetivamente, o Regimento foi violado, o que noutros parlamentos teria levado, seguramente, a que os parlamentares tivessem de sair da sala.
Qual foi a proposta mais importante que o GPPS apresentou nesta primeira sessão legislativa, sob a sua presidência?
Tenho três leis e tenho algumas alterações à proposta do Orçamento do Estado. A Lei das Ordens Profissionais é um desbloqueador fundamental no acesso às profissões. É um combate que não foi fácil, porque tivemos muitas corporações contra e foi um trabalho feito com bastante critério e que já foi promulgado pelo Presidente, mesmo com o crivo do Tribunal Constitucional. A segunda foi terminar o processo da morte medicamente assistida. É um processo que tem muitos anos, o GPPS apresentou um projeto de lei, que depois alargou para um texto conjunto com outras forças parlamentares. E um terceiro, que espero terminar ainda nesta sessão legislativa, é o Banco de Terras Público, que era um projeto que gostaríamos, já no passado, de fazer avançar.
Ainda me lembro de que, no tempo de Guterres, já se falava nisso.
Exatamente. Nós avançámos com o Banco de Terras Público, que tem uma dimensão agrícola, mas tem essencialmente uma dimensão florestal particularmente importante. Em sede orçamental, o GPPS teve muitas propostas, algumas delas na área dos municípios e do seu financiamento. Tivemos propostas particularmente arrojadas também no apoio às empresas. Prosseguimos com propostas muito centradas na coesão social e territorial, mas avançámos também algumas propostas na área da saúde e da educação. E há um elemento que quero sublinhar, que é o contributo que o GPPS dá na negociação de iniciativas legislativas de outros grupos parlamentares. Por exemplo, recentemente, foi aprovada uma alteração à legislação na cobrança de portagens, para acabar com a exorbitância das multas, que geraram já casos dramáticos. A iniciativa legislativa foi da Iniciativa Liberal, mas conseguimos consensualizar uma solução.
Na próxima sessão legislativa, quais serão as prioridades?
Uma — e muito importante — é fechar o processo de revisão constitucional. Esperamos claramente que a partir de setembro se entre na fase para fechar. O Orçamento de 2024 é muito importante nesta legislatura. Depois da estabilização da inflação, com o crescimento económico, com a estabilização do desemprego, ganhámos um novo horizonte para as políticas públicas e, em particular, para as políticas de valorização salarial. A estabilização da inflação vai dar-nos um horizonte de maior previsibilidade que permita que o Governo possa olhar para o seu objetivo de valorização do peso de salários no PIB e, em 2024, tem de dar um passo em frente, em particular nos salários da função pública, porque me parece relevante.
Outras prioridades?
Ainda nesta sessão legislativa, devemos fechar uma conferência parlamentar sobre violência doméstica, que pode suscitar a iniciativa legislativa. Há uma discussão que já foi aberta no Parlamento em torno da cannabis, não só apenas medicinal, mas para uso criativo. Não quero avançar uma proposta do PS, mas vamos seguramente discutir o tema. Gostava de retomar uma agenda importante, que é a agenda dos idosos. O país tem imensas lacunas na área da oferta de serviços às pessoas com mais idade, que, com dignidade, precisam de ser apoiadas. Essa agenda precisa de ser construída para que o Estado chegue aos cidadãos, em particular aos mais vulneráveis, num quadro em que a oferta de lares é muito limitada e cara, em que o apoio domiciliário não chega a todos, em que temos cada vez mais idosos a viver sozinhos. O GPPS deve olhar, na próxima sessão legislativa, para essa agenda. Temos de ter uma agenda para uma cidadania plena daqueles que têm mais idade e estamos muito longe de conseguir. E isso não se faz apenas a partir da política de pensões e da política de rendimentos, faz-se com uma intervenção social mais ativa: em que está a política de rendimentos nas pensões, em que estão os serviços que são necessários para garantir a dignidade de todos, mesmo quando já estão muito vulneráveis e dependentes. E precisamos de apoiar as famílias para que as famílias apoiem também os seus familiares, que estão mais vulneráveis e mais dependentes.
Fonte: Entrevista do presidente do Grupo Parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, ao Público