
“Este pacote não é necessariamente o último”
Entrevista do Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Eurico Brilhante Dias, ao Expresso.
Não é “truque”, é “inteligência”. Em entrevista ao Expresso no dia a seguir ao Governo ter anunciado o pacote de medidas anti-inflação, o líder parlamentar socialista defende a forma criativa de atualização das pensões, por permitir ao Estado poupar na despesa do ano seguinte. Já a lei, nem sempre foi cumprida, diz. Eurico Brilhante Dias escuda-se no contexto adverso dos últimos anos para explicar o estado do SNS, ao mesmo tempo que defende que as “reformas” não devem ficar na gaveta por causa do contexto de incerteza. Não se compromete com aumentos salariais e chuta Santos Silva para a presidência.
Para um partido que se diz de esquerda, gostava de ter visto o Governo a ser mais ambicioso na ajuda às famílias?
O Governo usou o excedente orçamental todo neste pacote de ajuda. O que temos para mitigar os efeitos da inflação é a margem, não é a receita. Há mais receita vinda do IVA, sim, mas o Estado também compra, também tem despesa. Se me dissessem que o Governo vai chegar ao fim do ano e apresentar um défice muito inferior, percebia isso, mas não é o caso. Proteger os rendimentos hoje é apoiar, mas sem perder de vista a diminuição do défice e da dívida.
Não há aqui uma obsessão com o défice?
Há a obsessão de proteger os portugueses neste momento difícil. E para isso temos de apoiar os rendimentos e mitigar o efeito da subida dos preços cumprindo a meta do défice e da dívida. Temos de ser prudentes e em 2023 vamos continuar a monitorizar num cenário de incerteza. Este pacote não é necessariamente o último.
A inflação “duradoura” não devia ser suficiente para se aplicarem medidas mais estruturais?
Não, é preciso medidas que respondam a esta conjuntura mas que não nos façam perder do horizonte que temos de regressar a uma taxa de inflação mais baixa. Não vamos mexer nas taxas de IRS quando temos um Orçamento para aprovar em outubro.
Quer dizer que mexidas nos impostos ficam para o OE?
Em outubro faremos a discussão orçamental para 2023, onde os elementos fiscais estarão presentes. Aí, sim, o Governo refletirá sobre a política fiscal.
O problema é os salários serem tão baixos. Tendo em conta que o Governo já admitiu rever a lei de atualização das pensões, o que é que os funcionários públicos podem esperar?
Há problemas estruturais nos salários da Função Pública que têm a ver com as carreiras e a forma como olhamos a qualificação e a competitividade face ao privado. Temos vindo a esmagar os salários dos mais qualificados na Administração Pública, e é isso que precisamos de combater. Não seria um mecanismo automático [como o usado para as pensões] que resolveria o problema.
Não haverá mais aumentos? O PS vai bater-se por um aumento salarial para compensar a perda de poder de compra?
Não sou capaz de responder, mas tenho a certeza de que o Governo está a refletir fortemente sobre isso. Há um acordo de rendimentos que está a ser discutido na concertação social, mas temos de olhar para objetivos de médio e longo prazo e para trajetórias, porque não governamos para as prestações de 125 euros.
Em relação à atualização das pensões há um problema, porque a base de cálculo do aumento da pensão de 2024 vai ter em conta um valor menor em 2023 do que o que estava estipulado na lei. Altera-se a lei porque dá jeito?
Discutiremos 2024 em 2023. Os pensionistas terão um aumento nominal entre 7% e 8% até ao fim de 2023, o que quer dizer que, nominalmente, o Governo cumpre escrupulosamente a fórmula prevista na lei. Compreendemos que este pico de inflação é excecional e a fórmula de atualização foi feita para períodos de mais estabilidade.
É uma forma de o Governo ter mais dinheiro para o ano e não ir tudo para a despesa permanente.
O que é uma medida inteligente. Aproveita o facto de a flexibilidade entre receitas e despesas gerar uma margem, permite um aumento nominal idêntico e, ao mesmo tempo, um crescimento da despesa diferente, que dará mais flexibilidade na gestão orçamental em 2023.
O Governo tem apenas cinco meses e já teve uma demissão e problemas claros de descoordenação. Que marca é que esta maioria quer deixar?
O Governo só tem cinco meses mas a perceção é de continuidade: o primeiro-ministro é o mesmo, alguns ministros são os mesmos, mas tivemos uma mudança importante e um processo político que deixou marcas. Esses são momentos menos positivos de comunicação que criam a sensação de que, de vez em quando, o conjunto não está articulado. Mas no essencial o Governo está perfeitamente articulado. O grupo parlamentar tem sido um foco de estabilidade…
Também não seria de esperar outra coisa com uma maioria absoluta.
É um estabilizador. Fazemos o papel que os portugueses quiseram que fizéssemos nestes quatro anos.
E cinge-se a isso?
O grupo parlamentar tem tido causas. Vamos apresentar uma proposta de reforma nas jornadas parlamentares em áreas transversais a vários sectores e vamos marcar a nossa posição. Estamos empenhados em ser um contributo não só para a estabilidade, mas para o processo que este Governo tem de empreender de reformas, apesar da incerteza que temos no país.
O Governo está a aproveitar mal a oportunidade da maioria absoluta para fazer reformas de fundo?
São cinco meses de Governo. Começou a tratar de instrumentos de combate à inflação, depois aprovou o OE, que só foi promulgado no final de junho, depois preparou as questões do Estatuto do SNS. Não nos podem pedir que as reformas do Governo e do grupo parlamentar não estejam no quadro do programa eleitoral do PS. Esse é o vínculo desta maioria absoluta.
Um Governo menos estável é o de maioria absoluta. Como é que se justifica uma remodelação no Governo apenas ao fim de cinco meses?
O contexto político desta maioria é completamente diferente. É o terceiro Governo liderado por António Costa e surge na sequência de uma pandemia.
Não lhe parece que António Costa está a fechar cada vez mais o círculo e a procurar cada vez mais ministros dispostos a executar apenas a política que ele próprio desenhou?
Está a fazer a pergunta a um líder parlamentar que não apoiou António Costa nas primárias socialistas.
Em sete anos, o Governo ainda não teve as condições ideais para reformar o SNS?
O Governo, em 2015, apanhou um SNS com muito menos dinheiro, um problema de corte salarial por causa da passagem de 35 para 40 horas, e a primeira iniciativa que tomou foi fazer a recuperação paulatina do nível orçamental na saúde, que demorou a recuperar até 2019. No segundo Governo, o processo de recuperação culminou no OE-2020, mas depois houve uma pandemia, e todas as prioridades na saúde se alteraram.
Mas também não tem as condições agora, com maioria absoluta, por causa do contexto?
É muito difícil. A questão das carreiras na saúde tem estado em cima da mesa, mas não vou esconder que o processo negocial durante a pandemia não existiu e esse stresse hoje vai sendo diminuído, mas é evidente que ainda é difícil. É preciso um contexto próprio para se fazer essa reforma e ainda não houve esse contexto na saúde nos últimos três anos.
O PS, desta vez, deve apoiar um candidato presidencial?
Tudo farei como dirigente para que o PS possa ter um bom candidato presidencial.
Augusto Santos Silva pode ser essa pessoa?
É uma decisão pessoal e depende do quadro político em que outros candidatos possam aparecer. Mas devo reconhecer que a experiência que tem faz dele não só um bom candidato como um excelente Presidente da República.