
PS quer saber origem dos cripto para combater fraude
Entrevista do presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Eurico Brilhante Dias, ao Negócios
O PS vai apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 em quatro áreas: fiscalidade, justiça, políticas para os jovens e coesão do território. Há iniciativas para as cripto, para o IVA de alguns produtos alimentares, para o alojamento de estudantes e para as empresas.
O grupo parlamentar do PS vai apresentar propostas no sentido de “melhorar” a tributação dos criptoativos para conhecer a origem destes ativos, mas “sem retirar competitividade” à proposta do Governo. Também propõe mexidas nas permutas, para efeitos de IMT.
O PS vai apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado, mas mais modesto como no último?
São dois orçamentos diferentes. Ou politicamente diferentes. Para nós a questão da quantidade não é muito relevante. Temos uma proposta de lei do Governo com base no nosso programa eleitoral. Agora o grupo parlamentar tem afirmado a sua participação na especialidade. Mais do que a quantidade, para nós é importante a qualidade das nossas propostas. Vamos apresentar propostas em quatro dimensões: justiça fiscal, jovens, coesão territorial e justiça.
E quais serão?
Na área da justiça fiscal, que continuaremos a privilegiar ao longo da legislatura, com propostas na área do combate à fraude e evasão. Por exemplo na área das criptomoedas o Governo avançou com uma proposta que nós gostaríamos de melhorar.
Em que sentido serão os melhoramentos de que fala?
É uma preocupação cruzada, mas estamos na área do combate à fraude e evasão fiscal. O Governo tem uma boa solução, que permite a tributação, mas também permite que o regime português seja um regime competitivo no quadro europeu. Não queremos diminuir essa competitividade, mas sim combater fenómenos que possam ser fenómenos de utilizar as criptomoedas para elisão fiscal.
Pode exemplificar?
Por exemplo, origens dos criptoativos ou origem de recursos para criptoativos. Alguma pontualização ou algum reforço dessa proposta quanto às origens, para combater a fraude e evasão fiscal que pode passar por essa natureza de ativos é uma preocupação do grupo parlamentar.
O problema aí está na falta de informação por parte da Autoridade Tributária precisamente quanto à origem.
Temos de ser muito cuidadosos porque não queremos retirar competitividade à boa solução que está na proposta, mas achamos que algumas origens devem ser vistas com mais cuidado e em particular algumas soluções que têm a ver com origens com algumas jurisdições fiscais.
As jurisdições fiscais que não tributam, por exemplo?
Jurisdições fiscais que possam ser menos transparentes.
Incluídas na lista de territórios com regimes de tributação privilegiada?
A lista é uma questão diferente. Jurisdições fiscais que possam ser menos transparentes. A nossa lista é muito longa, com um número muito significativo de jurisdições.
E aí poderia retirar competitividade?
Sim, mas há sempre um equilíbrio entre a competitividade e a transparência. Mas queremos olhar com muita atenção para essa dimensão dos criptoativos. Uma competitividade feita à custa de falta de transparência não nos interessa.
Mas a ideia é apertar critérios?
Estamos em discussão para ter a melhor solução. É tecnicamente complexo e podemos não ter a solução completa neste Orçamento do Estado (OE), podemos ter de avançar com mais profundidade durante o ano e depois para o OE mais à frente.
Mas no sentido de aumentar a informação que o Fisco tem?
Acima de tudo aumentar a informação e a transparência. Todos sabemos que a ausência desse tipo de informação e a relação com estes ativos muitas vezes são cortinas para origens e atividades que podem estar fora, pelo menos, do perímetro da legalidade.
Na parte da justiça fiscal falou também nas permutas técnicas. Pode explicar isso melhor?
Tem a ver com alguns fenómenos de triangulação de permuta no setor imobiliário. Alguns desses instrumentos muitas vezes são formas de fazer planeamento fiscal agressivo e por isso devem ser vistas com bastante cuidado. Estamos a avaliar tecnicamente algumas dessas dimensões para perceber se podemos ser mais eficazes e mais justos. É uma questão de justiça fiscal. O planeamento fiscal agressivo não tem de ser ilegal, não tem de ser fraude ou evasão. E aproveitar o quadro legislativo que tem muitas vezes espaço para criar distorções que o próprio legislador não gostava que acontecessem. A questão das permutas técnicas é uma área que nos interessa, porque é uma área muito exposta, a do setor imobiliário, e onde estamos a encontrar muitas vezes essas arquiteturas, que podem limitar a cobrança de IMT, por exemplo.
Têm mais propostas na área da justiça fiscal?
Provavelmente continuamos a olhar para os “trusts”, como uma área de interessante. Sempre com uma preocupação, que não seja feito à custa da perda de competitividade fiscal do país e de alguma estabilidade fiscal.
E quanto à coesão territorial, quais são as questões em cima da mesa?
Há questões que têm a ver com infraestruturas hospitalares, como o desenvolvimento do Hospital do Oeste, que ainda precisa de conhecer a localização e depois passar a fase de concretização. Mas também das obras que estão a decorrer no Hospital da Guarda; ou da expansão do Hospital de Aveiro. Mas também algumas áreas, como a dos diabéticos, que tem a ver com as bombas de insulina.
PS quer isentar de IRS e IRC renda acessível para alojamento estudantil
O PS quer alargar o programa “Renda Segura” aos estudantes deslocados, isentando de IRS e IRC os senhorios que adiram a este mecanismo municipal, à semelhança do que já existe para a generalidade das famílias, mas que exige contratos de no mínimo cinco anos. O valor das propinas volta a ficar congelado em 2023.
Os jovens é uma das áreas em que vão apresentar propostas de alteração?
Temos duas áreas que são importantes: a questão das propinas e a do alojamento estudante. As propinas estão congeladas em 2022, mas ainda não há essa regra para 2023 e queremos manter. A outra é o alojamento estudantil e a questão da deslocação. No OE 2022, uma das medidas foi o apoio [de 250 euros] aos deslocados.
Em relação ao alojamento em concreto, o que é que vocês podem propor já no imediato?
As propostas concretas estão muito centradas na área do apoio aos estudantes. Um apoio monetário, especialmente para aqueles que têm mais dificuldades, os mais vulneráveis, no quadro da ação social escolar.
Pode adiantar uma medida em concreto?
Vamos propor isentar de IRS e de IRC o alojamento estudantil no âmbito de programas municipais, à semelhança do que já acontece com a renda acessível, caso do Programa Renda Segura, da Câmara de Lisboa, mas que exigem contratos de cinco anos no mínimo. Aqui, a exigência será que sejam praticadas rendas que tenham os mesmos limites exigidos pelo programa de arrendamento acessível, isto é, que fiquem abaixo dos valores normais do mercado. Vai aplicar-se ao arrendamento e ao subarrendamento de estudantes deslocados.
Chumbaram algumas medidas de outros partidos.
Devo dizer que foi uma das circunstâncias mais difíceis como líder parlamentar, aqui pela natureza da questão. Chumbámos medidas nessa área, voluntaristas, na nossa opinião, dos partidos à nossa esquerda. Voluntaristas porque o quadro orçamental não era claro e a violação da norma travão era muito questionável. Mas, para nós, foi duro votar contra, porque não deixava de ser de alguma forma uma urgência.
O apoio ao transporte poderá ser reforçado?
Essa é uma medida cuja implementação estamos a acompanhar. Aquilo que faremos no orçamento de 2023 é encontrar espaço para perceber se podemos melhorar essa proposta. Isso não tem necessariamente que ver com o montante dos 250 euros, mas pode ter que ver com o seu âmbito, podemos olhar para esse universo.
Para a habitação em geral não haverá propostas? É suficiente o que o Governo fez?
Para a questão das rendas não. Para o crédito habitação, em primeira instância os bancos têm de falar com os clientes e o princípio é este. O Governo e as autoridades públicas não podem, não devem, antecipar aquilo que é o relacionamento da banca com os seus clientes. Do ponto de vista político, demos um sinal claro de que essa negociação é fundamental.
IVA de biomassa para aquecimento desce para 6%
O PS propõe uma intervenção cirúrgica no IVA e a redução para 6% de equipamentos de aquecimento que usem biomassa sólida e de baixas emissões, bem como péletes e briquetes. No IRS não há propostas.
Uma mexida cirúrgica no IVA, propostas extraorçamento para diabéticos, preocupações na área da justiça e saúde. O líder da bancada parlamentar avança algumas das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2023 e adianta que haverá também medidas a pensar na falta de água no sul do país.
Houve muitos apelos para reduzir o IVA em alguns produtos. Vão ouvir alguns?
Vamos olhar com atenção, dentro da diretiva IVA, sobre a forma como em sede de IVA alguns produtos são classificados. Isso tem muito impacto orçamental, tem de ser muito bem avaliado, mas há sempre espaço para pequenas melhorias nessa dimensão e que são importantes para as empresas.
A ideia será colocar mais produtos alimentares na taxa reduzida do IVA?
Pelo menos num caso ou noutro, sim. Vamos propor uma descida para a taxa reduzida de IVA das conservas de moluscos, que são atualmente tributadas a 13%. Na área da energia, também propomos a redução para as péletes e briquetes produzidos a partir de biomassa e usadas para aquecimento, que ficam a 6%. Também os aquecedores que utilizem biomassa e que estejam nas duas classes de eficiência mais elevadas. Medidas que vigoram até 30 de junho de 2025.
Em termos de mais apoios para as empresas não têm nada previsto?
Uma área importante tem a ver com a explicitação por exemplo do “Startup voucher”, que já foi anunciado. Há um quadro orçamental estável, a questão é saber se é necessário ou não fazer alguma explicitação orçamental e nós estamos a trabalhar sobre ela. Há uma área muito interessante que tem a ver com a linha de tesouraria para PME, um instrumento que já esteve em OE anteriores essa explicitação e temos a preocupação que ela continue a funcionar e estamos a acompanhar esse tema. Se precisar de estar no orçamento queremos que esteja.
A proposta de OE pode ser melhorada ao nível do IRS?
Aí temos algumas propostas, mas penso que poderemos falar delas para um orçamento mais à frente. O Governo tem um quadro programático e nós queremos acompanhar. Mas há pequenos aspetos que têm a ver com as deduções à coleta que o grupo parlamentar tem estudado. Quer na área da educação quer na da cultura em particular. Mas para este orçamento penso que é prematuro.
Há mais alguma proposta a pensar no ambiente?
Uma área diferente, mas que tem impacto, tem a ver com o Sul e com os problemas de água que temos tido. Gostaríamos de ter uma medida que permitisse algum apoio à transformação para unidades mais autóctones que permitissem poupar água e ao mesmo tempo fosse um incentivo à mudança.
Pode dar um exemplo?
Estou a falar de infraestruturas, públicas ou privadas, que exigem muita água e que precisam de algum incentivo para se adaptarem a questões mais autóctones para diminuirmos o consumo de água. Temos espalhados pelo Algarve e também Alentejo, infraestruturas, algumas que são espaços públicos, jardins, relvados, espaços de fruição, que precisam de ser adaptados. Temos a expectativa de ter uma proposta nessa área.
As vossas propostas de alteração têm uma tradução orçamental? Qual foi a negociação que fez com o Governo?
Nós não negociamos medidas em função de pacotes. Olhamos para as medidas que consideramos pertinentes e procuramos que elas sejam as mais neutrais do ponto de vista orçamental. Há questões que têm a ver com opções políticas e níveis de prioridade que não têm de ter mais despesa e há questões que podem ter mais despesa e até há despesa que já está na proposta de orçamento e que pode ser olhada de outra forma. As propostas do grupo parlamentar não vão alterar as metas nem do défice, nem da dívida.
O PS está disponível para negociar propostas dos partidos da oposição? No anterior OE foram poucas.
Sete propostas do PPD/PSD, cinco da Iniciativa Liberal, zero do Chega – a extrema-direita antissistema democrático – e do PAN e do Livre. E, julgo que do PCP e do Bloco já não era tão necessário porque muitas das propostas estavam incluídas na proposta de lei.
E agora?
Mantemos a mesma abertura. Dito isto, gostaríamos de aprovar propostas que contribuíssem para termos um orçamento melhor. Vamos analisar todas, mas receio que alguns grupos parlamentares não queiram mesmo que o grupo parlamentar do PS aprove.
Aumento das subvenções: “A democracia custa dinheiro”
Com a atualização de 8% do Indexante de Apoios Sociais (IAS), os partidos também recebem uma subvenção mais generosa. PS não deverá apresentar proposta para travar o aumento.
A atualização do IAS vai beneficiar também os partidos, que verão as suas subvenções aumentadas em 8%. O PS pondera apresentar alguma medida a esse nível? Algum travão?
Custa-me que essa questão do financiamento dos partidos seja sempre vista assim. Aquilo que é evidente é que, por exemplo, o grupo parlamentar do PS fará aumentos salariais. Não é para os deputados é para os funcionários que recebem salários.
À taxa de inflação?
Nós procuraremos seguir a regra que está estabelecida de 5,1%, para o setor privado. Nós não vamos fazer no grupo parlamentar regras distintas das que foram acordadas. A regra é a massa salarial e teremos aumentos dessa natureza. Mas repare: se há partido que, por inerência dos resultados teve aumento de subvenções, fomos nós. Mais votos, mais subvenções. Vou cortar o aumento do IAS aos partidos que ainda por cima tiveram redução de deputados?
Mas o que está a dizer, é que na sua opinião deveria manter-se os 8%de atualização?
A regra é a IAS. Agora percebam que o PS, o grupo parlamentar tem mais deputados e tenho mais custos. A Iniciativa liberal tem oito deputados. Chega só tem doze. O PCP tem seis, o Bloco tem cinco. Alguns deles com reduções muito substantivas do número de deputados. O Bloco de Esquerda fez um despedimento coletivo ou coisa de género. O CDS acaba de fazer um despedimento e também tem a subvenção. A democracia custa dinheiro. Portanto, diria que a regra é essa, mas temos de avaliar com cuidado.