

PS quer discutir a eutanásia “o mais rapidamente possível”
Entrevista do presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Eurico Brilhante Dias, à Rádio Renascença e ao jornal Público.
Eurico Brilhante Dias saiu do Governo para assumir a liderança da bancada socialista durante esta maioria absoluta. Na sua lista de prioridades para aprovar até setembro deste ano tem dossiês como a despenalização da morte medicamente assistida (vetada pela segunda vez pelo Presidente da República em novembro), as ordens profissionais e a reavaliação das alterações à lei da nacionalidade.
Em entrevista à Renascença e ao jornal ‘Público’, o líder parlamentar do PS revela que os socialistas colocarão na gaveta a lei de emergência sanitária, que, depois de serenada, precisa de “amadurecer”.
Têm dado entrada no Parlamento vários processos legislativos, entre os quais está um projecto do BE sobre a eutanásia. Já decidiu como irá votar?
O PS vai reapresentar um texto e vai seguramente querer convergir com os proponentes da proposta para a votação final global, eliminando ou dirimindo as questões de inconstitucionalidade que foram levantadas pelo Presidente da República para que volte a ser votado.
Ainda nesta sessão legislativa?
Procuraremos que seja o mais rapidamente possível. Estamos a falar de poder votar até 15 de Setembro de 2022. Anunciarei a forma como vou votar essa iniciativa quando for votada na generalidade. Votarei em consciência em função das minhas convicções nesse momento.
Podemos ver um líder parlamentar do PS a votar desalinhado com o resto da bancada?
Não há disciplina de voto. Há liberdade de voto e é um tema de consciência. Não vou satisfazer a sua curiosidade hoje.
Já disse que o PS teria disponibilidade para reavaliar a lei da nacionalidade e perceber se a regulamentação feita pelo Governo seria suficiente. Quando?
Esperamos muito rapidamente poder fazê-lo, mas temos uma condicionante de calendário evidente [o OE2022]. Temos outro dossiê importante: as ordens profissionais. É uma das nossas obrigações no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e é um tema que tem atravessado praticamente a última década.
A questão da nacionalidade é particularmente premente porque as questões em torno da utilização de uma parte da lei da nacionalidade (a herança histórica que temos e à relação que temos com a comunidade sefardita) têm suscitado algum alarme social e até alguma incompreensão pela forma como tem sido utilizada para atribuir a nacionalidade portuguesa.
O Governo já fez um bom trabalho ao criar regras mais claras de vinculação a Portugal do cidadão com herança sefardita. Avaliaremos se há algum passo em frente que tenha de ser dado e avançaremos. E há a questão da lei eleitoral, que preocupa todos os parlamentares. Há algum trabalho feito sobre a possibilidade de construir um Código Eleitoral que crie alguma uniformidade e simplificar alguns processos.
E acabe com a necessidade da fotocópia do Cartão de Cidadão nos círculos da emigração?
É uma situação que não pode deixar de despertar em nós uma certa incomodidade.
Mas o PS vai apresentar uma proposta?
Não temos urgência eleitoral.
Em 2019 também não havia e já havia críticas. Em 2021 e 2022 tivemos eleições e voltou o problema.
A expectativa é não ter eleições muito proximamente. E a questão da fotocópia do cartão de cidadão é posta nas legislativas, não teria acontecido o mesmo nas presidenciais. Tivemos um ato eleitoral em que os emigrantes foram votar e que não viram o seu voto validado por não terem cumprido escrupulosamente um procedimento administrativo. Não poderemos voltar a ter legislativas com a lei tal como está.
O PS também já se mostrou disponível para rever o modelo de debates quinzenais. Em que é que está a pensar para renovar este modelo e o tornar mais elástico?
Não perdemos elasticidade. Ficámos muito amarrados à frequência. É essencial garantir é que o Governo no seu conjunto é escrutinado na AR. O acordo celebrado entre o PSD e o PS foi celebrado com o PS como Governo e o PSD como partido da oposição, num quadro em que o PS não tinha maioria absoluta. Isso tinha uma legitimidade acrescida.
O que pode resultar dessa revisão?
É difícil fazer uma avaliação do modelo sem incluir o parceiro, o PSD, e esperaremos para ver qual será a sua posição e depois desenhar o modelo mais adequado para controlar a atividade governativa. Faremos esse debate quando forem objeto de análise as propostas que os partidos têm.
O PS vai apresentar alterações ao OE2022?
Naturalmente, pensámos nisso, mas a resposta é politicamente mais complexa do que dizer que vamos apresentar alterações. O cenário macroeconómico teve um ajustamento, mas este OE é uma obrigação do PS. Teremos um quadro e espaço na especialidade. O PS acompanhará o processo orçamental, mas a mensagem não é o conjunto de alterações que eventualmente pode introduzir.
É sobre a bondade do OE?
É sobre a questão peremptória que estamos a cumprir um compromisso com os eleitores. Este OE foi mostrado na televisão várias vezes como pronto a executar. Contará com propostas do PS em áreas muito diferentes. Aliás, começámos a nossa conversa falando de iniciativas muito concretas que não são aspectos menores.
O que acha acerca do imposto sobre os lucros inesperados que o ministro da Economia admitiu?
O que está em causa é a resposta ao processo inflacionista que tem dois pilares centrais: o custo da energia e das matérias-primas alimentares, em particular os cereais. Não quero excluir à partida nenhuma iniciativa que diz respeito ao Governo. Vivemos um quadro de incerteza, pode haver mais medidas.
E em relação a este imposto?
Não está no quadro orçamental. A discussão sobre instrumentos adicionais poderá ser falada mais para a frente.
O ministro das Finanças já disse que obviamente não haveria nenhum orçamento retificativo. Para si é assim tão óbvio? O OE2023 será o retificativo?
Olhando para o quadro macroeconómico e para a realidade orçamental hoje não se antevê esse cenário. Percebo a resposta do ministro das Finanças e acho que tem razão. Um Governo que apresenta rectificativos sucessivos e que falha as contas é um Governo em que os portugueses perdem confiança. Contas certas e orçamentos estáveis são um bom princípio.
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PS à espera de “elogios” de Zelensky a Portugal e sem “puxão de orelhas”
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal ‘Público’, o socialista fala sobre o papel de Portugal na guerra contra a Ucrânia, revela que votou favoravelmente o nome de João Cotrim de Figueiredo para vice-presidente da Assembleia da República e distingue a Iniciativa Liberal do “partido não-democrático”, o Chega. Questionado sobre a posição do PS em relação ao uso de máscaras, Brilhante Dias é direto: “A Assembleia da República não é o Infarmed”.
Hoje o Presidente ucraniano fala ao Parlamento português. Espera críticas de Zelensky em relação à posição portuguesa neste conflito?
Sinceramente não espero. Portugal tem desde o princípio mostrado não só uma solidariedade com o povo ucraniano, como tem estado muito alinhado nas posições tomadas quer no quadro da União Europeia, quer no quadro da NATO. Portugal tem apoiado até com material militar a Ucrânia. Tem tido, do ponto de vista dos refugiados, um comportamento exemplar, aliás, é um padrão no nosso comportamento no que diz respeito à questão dos refugiados e das migrações. Temos sido um parceiro neste momento muito difícil que atravessam os ucranianos e a Ucrânia.
Zelensky tem pedido aos países da União Europeia (UE) mais pressa por exemplo na resposta ao pedido de adesão à UE, no envio de armas para o terreno. Acredita que Zelensky não dará um puxão de orelhas aos deputados portugueses e ao Governo português?
É uma sessão solene em que queremos ouvir um ator político muito importante que lidera a Ucrânia numa situação particularmente difícil. Não estamos à espera de nenhum puxão de orelhas, bem pelo contrário. Estamos à espera também que seja reconhecido o esforço coletivo que Portugal tem feito. E quando digo esforço coletivo não tem a ver com o Governo, mas do conjunto de portugueses e da forma como solidariamente muitos deles se lançaram para a fronteira para ir buscar e ajudar ucranianos que fugiam da guerra. É uma solidariedade ativa. Temos estado presentes na larga maioria das decisões, quer no quadro multilateral – na NATO e na UE – quer na relação direta que temos com a comunidade ucraniana em Portugal. Foi muito interessante ver uma das fotografias em que aparecia o Presidente Zelensky a distribuir leite de uma marca portuguesa porque pode ilustrar aos portugueses que têm apoiado a Ucrânia que a sua ajuda mesmo de bens alimentares está a chegar onde é preciso.
O Parlamento mantém-se apenas com dois vice-presidentes, o que dificulta claramente os trabalhos. Já encetou conversas com a Iniciativa Liberal (IL) para se criarem condições para que um candidato dos liberais se sujeite a votos e seja eleito com a ajuda do PS?
A iniciativa de apresentação de candidato é exclusiva da IL, quando entender adequado. Subscrevo a necessidade de ter mais um vice-presidente. Quando a IL apresentar o seu candidato, farei o que fiz da última vez: votarei a favor.
O que Cotrim de Figueiredo disse foi que não voltaria a apresentar candidato. Desafia a IL a voltar a apresentar um nome?
Distingo o que é um partido com o qual tenho enormes diferenças ideológicas, mas democrático do que é um partido não-democrático e anti-sistema democrático.
Nos últimos dias ouvimos falar sobre a continuidade do uso de máscaras. O PS defende que as máscaras na maioria dos espaços interiores públicos devem cair?
Tenho grande dificuldade em tomar decisões que têm uma fortíssima base técnico-científica de modo político.
Tem de haver uma reunião do Infarmed primeiro…
Todos nós queremos muito deixar de usar máscaras em ruas e espaços fechados. Não usamos por vontade, mas para nos proteger de um problema de saúde pública que ainda atravessamos. Assim que estiverem reunidas as condições – e os peritos do Conselho Nacional de Saúde muito proximamente terão de emitir opinião – o próprio Governo tomará uma iniciativa. Tenho a convicção que os portugueses continuarão a usar máscara para se sentirem mais seguros e admito que possa ser uma necessidade de segurança reforçada nalguns espaços, como lares, centros de dia, hospitais e centros de saúde. Não estou a ver a AR com a competência que têm ela própria decretar o fim das máscaras.
Mas há partidos que têm defendido o fim…
E devo dizer que não concordo. Estas decisões têm de ser responsáveis e ponderadas e um bocadinho de ciência nunca fez mal a ninguém. Temos cientistas e pessoas que estudam estes fenómenos. O espaço da AR é um espaço de debate político e processo legislativo e controlo de governo. Não somos o Infarmed. Vamos ouvir quem sabe. Essas iniciativas legislativas são muito pouco fundamentadas.
Em junho o PS disse que era necessário avançar com a lei de emergência sanitária quando tudo serenasse. Já se pode avançar?
Era útil que o pudéssemos fazer nesta legislatura.
São quatro anos e meio…
Não é um instrumento simples, obriga a uma profunda reflexão. Espero que quando a pandemia acabe seja a hora dos grupos parlamentares perceberem qual o instrumento legislativo que podem construir para responder a uma realidade e circunstância completamente diferente. A lei de emergência limita um conjunto de direitos que provavelmente não é preciso limitar num semelhante.
O que podemos ter?
Provavelmente deve continuar no ordenamento jurídico português, mas é cedo para começar esse debate. Estamos a sair da pandemia.
O projeto de proposta de lei encomendado pelo Governo para avaliar alterações ao quadro jurídico já foi entregue em novembro. O PSD entretanto também já o pediu. Não vê urgência tendo em conta que já há este trabalho feito?
O caminho feito é útil, mas é um trabalho que deve ser consensualizado, que vai auscultar muitas entidades diferentes para poder ser um instrumento que vamos inscrever no conjunto do ordenamento jurídico português para usar em circunstâncias próximas aquelas que vivemos desde 2020. Deve ser um processo amadurecido e não vejo grande necessidade em que seja repentino e precipitado. Temos no quadro da lei de emergência a limitação de direitos sindicais, o que acho questionável. Até mesmo a questão do recolher obrigatório foi usada como usaríamos numa situação de guerra. Quando digo que o horizonte de legislatura é razoável é porque acho que temos de amadurecer sobre isso.
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